Depois da segunda-feira, ainda bem, as coisas se acalmaram. Na terça de manhã Ur começou a me treinar, e entendi o porquê de todos no Casarão serem tão rápidos: ela não deixava espaço para a preguiça. Gritando mais do que Gray, ela era definitivamente mais rígida. E não precisava nos depreciar para isso – o que mais me impressionou -: ela na verdade passava a ideia de que tinha confiança em nós. E por isso, buscávamos atingir o objetivo requisitado.
Na quarta, ela estipulou para mim o objetivo de diminuir meu tempo em dez segundos. Talvez pela proposta ser inicialmente absurda de se realizar em um dia, me motivei a tentar.
- Preciso que você diminua seus tempos antes de passarmos para outro treino. – disse ela. – Você pode fazer isso?
Não atingi os dez segundos, mas diminuí cerca de quatro. Isso, em si, já era considerado (por mim) um grande feito. E Ur parecia pensar do mesmo jeito. Pela feição dela era possível perceber que já estava satisfeita. Percebi então qual era seu método de treino: ao cobrar mais dos atletas do que qualquer outro treinador, eles iriam se esforçar muito mais para passar pelo menos do nível mediano de técnica e tempo.
E todo esse tempo passado com ela me fez passar a notar mais sua caminhada defeituosa. Seu corpo pendia levemente para o lado esquerdo, ao andar. Apesar de vestir shorts de ginástica, estar descalça e parecer completamente confortável no local, ela visivelmente não tinha a intenção de entrar na água. Pelo que parecia, não estava nem com roupas de banho. E seguindo meu olhar, Gray encarava a perna dela com dor. Não perguntei nada: havia aprendido com ele a esperar o momento certo para saber das coisas. E eu senti ser muito cedo ainda para eu saber de toda aquela história.
Nesses mesmos dias eu continuei a trabalhar. Ainda bem, Gray, Natsu Erza e principalmente a Lucy não apareceram mais. Mirajane arranjou um “uniforme” só para mim e fui me familiarizando com o jeito do local e os outros que lá trabalhavam. Apesar de que só iria conhecer o dono do local na segunda – na escola, que ironia -, outra pessoa parecia ter igual autoridade à de um dono ali. Este era o cozinheiro, que apesar de não interagir muito, segundo Mira era uma pessoa legal. Ele que parecia organizar tudo por ali, juntamente com Mirajane. Ela o apresentara a mim, na quinta.
- Juvia, esse é o nosso cozinheiro e neto do dono do estabelecimento, Laxus.
- Olá. – o cumprimentei com um sorriso.
Ele acenou por trás do balcão. Assim como a maioria dos que trabalhavam ali, Laxus parecia ter por volta da nossa idade. Ele era louro de olhos azuis, parecia estar quase sempre com fones de ouvido e tinha uma cicatriz que cruzava seu rosto. A única coisa que o diferenciava dos outros garotos nesse quesito era o seu tamanho: ele era enorme tanto em altura quanto em músculos. Apesar dele ser bonito (nem tanto quanto Gray), fiquei levemente amedrontada. Imaginei se o diretor se pareceria com ele.
E assim os dias da semana foram se passando. Era impossível não comparar minha vida naquele momento com antes. Esperava que a escola fosse tão boa quanto o Casarão. Na quinta de tarde, na volta do trabalho, me lembrei que era o meu dia de fazer o jantar. Comprei os ingredientes de uma sopa simples, para fazer um prato mais seguro, e fui para o casa.
Eu não tinha muita experiência na cozinha, mas fazia o básico. Isso eu aprendera com anos vivendo sozinha. O único problema era que eu demorava muito. Não para preparar o prato, mas sim para cortar os ingredientes. Quando eu estava sozinha, tudo bem, mas como todos estavam esperando, tentei acelerar. Às oito da noite Gray desceu e eu estava cortando as cebolas.
- Ainda? – ele perguntou.
Me senti envergonhada. Concordei com a cabeça e continuei a fazer meu trabalho. Ele sentou-se à mesa de jantar e ficou esperando. Cinco minutos depois ele pareceu perder a paciência. Se levantou e veio ao meu lado.
- Deixe que eu faço isso. Você prepara o prato. – disse e pegou a faca de minhas mãos.
- Juvia agradece, Gray-sama.
Ele corou um pouco e começou a cortar. Ele era bem melhor nisso do que eu. Ao menos no resto eu era boa. Despejei os legumes, a carne, etc, e tudo o que ele cortava. Temperei. Logo o prato estava pronto e todos desceram. Eu havia feito torradas para acompanhar também.
Depois de sentados, fui servindo um por um, até que cheguei a Gray. Coloquei a comida relutantemente. Tinha medo de que ele não gostasse, ou que achasse nojento.
Sentei-me no meu lugar e esperei a reação de todos. A maioria gostou, mas eu só encarava o moreno. Ele, percebendo, revirou os olhos e disse:
- Está bom.
Soltei um suspiro de alívio e todos deram risada. O ambiente era acolhedor.
...
No dia seguinte, durante a tarde, fui levada pela avalanche Natsu. Às duas da tarde alguém começara a buzinar loucamente e eu correra para atender. Quando eu abrira, Natsu estava lá.
- Juvia! - ele sorriu. – Eu tinha me esquecido que você estava morando aqui.
- É, eu estava vendo TV agora. Quer entrar?
Ele veio comigo e se sentou no sofá. Parecia bastante confortável. Segundo o que Ultear me contara, ele passava pelo menos um dia de cada semana na casa. Tentei quebrar o gelo.
- E aí, vocês vão sair.
Ele, que estava distraído com algo, demorou a responder.
- Vamos sim. A gente vai assistir um filme com as garotas. E você?
Minha vontade mesmo era de perguntar se ela estaria lá, mas respondi:
- Não sei. Talvez eu fique vendo TV mesmo.
- Por que você não vem com a gente?
- Eu posso?
Natsu olhou escada acima.
- Gray, a Juvia vai com a gente, ok? – ele gritou.
Gray, que estava descendo as escadas, indagou:
- Você quer vir?
Antes que eu pudesse responder, Natsu interrompeu:
- Ela disse que não tinha muito o que fazer mesmo.
E foi assim que uma hora depois eu estava saindo com os garotos para o cinema. Eu tentara me arrumar rápido, mas quando eu desci eles estavam jogando videogames e só pararam depois de vinte minutos.
Gray estava lindo, usando calças pretas surradas, uma blusa branca e o colar que eu percebi estar sempre em seu pescoço. Natsu vestia uma bermuda verde militar, uma blusa preta e o cachecol que usara da última vez que eu o vira. E eu, sem saber o que vestir, acabara por optar por um vestido cinza com renda e botões. Meu cabelo solto batia no meio das costas.
Descobri pela metade do caminho que iríamos ver Planeta dos Macacos, e eu fiquei super animada. Adorava os filmes. Chegando no local encontramos Erza e Lucy paradas na entrada e nos esperando. Imediatamente me postei ao lado de Gray e encarei a loura, minha provável rival no amor. Ela pareceu perceber e deu um sorriso tímido. Virei o rosto.
Depois de cumprimenta-las, compramos o ingressos, a pipoca e fomos para a sala de cinema. Ainda bem, eu havia levado dinheiro suficiente. Nos sentamos de tal modo que à minha esquerda estava Erza e à direita estava Gray.
- Está gostando da cidade? – perguntou ela.
- Sim. Quero dizer, todo mundo no Casarão é bastante acolhedor. – não consegui evitar olhar para Gray de soslaio.
Ela deu uma risadinha.
- Ele é meio bruto mesmo.
Durante o filme, não conversamos mais. Eu não era do tipo que gostava de falar durante a sessão mesmo.
Quando acabamos, passamos em uma lanchonete antes de voltarmos para casa. Eu e Natsu conversávamos animados sobre a trama, e imaginávamos o que ocorreria no próximo filme. Senti o olhar de Gray-sama sobre mim algumas vezes, e quando o encarei de volta percebi o grande erro que havia cometido. Entretida com Natsu, eu deixara Lucy e Gray se sentarem sozinhos, e no momento eles conversavam sobre alguma coisa. Natsu, não notando a situação, perguntou:
- E aí, você já visitou a escola?
- Bom... na verdade não. Eu vou buscar meu uniforme no domingo, mas só vou entrar mesmo é na segunda.
- Ah, entendi. – disse ele.
- E a respeito dos clubes? Quando começam os testes, Gray?
O Fullbuster pareceu pensar um pouco.
- Provavelmente na segunda semana de aula. Ainda tenho que confirmar.
Lucy pareceu se animar para falar.
- Ah, Juvia, só para você saber, além do Gray, cada um de nós... – ela pareceu perceber minha careta e parou. – O que foi?
Eu balancei o rosto em negação. Eu poderia não gostar da garota, mas ela ao menos estava tentando.
- Enfim.... – ela continuou. – Eu sou a capitã do time das líderes de torcida, a Erza era e provavelmente vai ser a presidente do conselho estudantil e Natsu é o craque do time de basquete.
Natsu deu um sorrisinho e corou um pouco. Eu concordei.
- Ah, é verdade que o seu irmão volta amanhã, Gray? – perguntou Lucy.
O irmão dele? Quem... Lyon? Eu não ouvira nada a respeito.
- Ele ligou ontem à noite. – Gray parecia um pouco emburrado.
- Você faz essa cara, mas na verdade gosta dele. – disse Erza.
Gray revirou os olhos. Ao que parecia, só eu não conhecia o tal irmão.
...
Naquela noite, antes de dormir, novamente fui nadar na piscina. Dessa vez não havia ninguém lá, e fiquei dando voltas e mais voltas.
Depois de algum tempo, senti uma presença no ambiente, e, esperando ser Gray, parei para procura-lo.
- Gray-sama... – parei no meio da fala.
Quem estava ali, me observando da borda da piscina, não era Gray. O garoto parado com uma mochila aos pés, sem camisa e de touca, como se pronto para nadar, era ninguém menos que Lyon Vastia.
- Ah, olá. – eu o cumprimentei.
- Olá. Você é a garota nova?
Lyon se aproximou de mim por fora da piscina. Seus cabelos brancos estavam bagunçados e seu torso era musculoso. Ele se sentou ao meu lado na beira da piscina.
- Me chamo Juvia Lockser. – disse.
- Lyon Vastia. – ele apertou minha mão. – Seu nado é muito bonito.
- Juvia agradece...
Ele entrou na água.
- Enfim Juvia, foi um prazer. Você já vai ou quer ficar mais um pouco para ver que é o mais rápido?
Dei um sorriso e pulei na água. Passamos cerca de uma hora nadando.
Quando eu estava para entrar no meu quarto, ele colocou o braço de um dos lados da porta.
- Boa noite. E eu não sei se eu ouvi errado, mas... Por acaso você chama o Gray de Gray-sama?
- É...
- Interessante. E você não gostaria de me chamar assim também?
- Boa noite... Até amanhã.
Sem dar uma resposta, entrei no quarto.
...
Na manhã seguinte, todos pareceram se espantar com a chegada de Lyon. Segundo Ur, ele nada havia dito sobre chagar mais cedo. Ultear dera um abraço nele, Freed o cumprimentara, e Gray fizera o mesmo. Ur o enchera de beijos. A reação de Chelia, por sua vez, foi à parte. A garota pulou em cima de Lyon, e ele deu risada. Quando ela tentou lhe dar um beijo, porém ele virou o rosto.
- Esse é o tal do namorado. – disse-me Cana rindo.
- Ah. Entendi... – não pude conter o riso.
Depois de muita bagunça, nos sentamos para tomar café. As conversas giravam em torno do intercâmbio de Lyon. Ele, na verdade, fora treinar em outro país. Quando estávamos acabando de comer, Ur subiu para pegar algo.
- E você Juvia? Dormiu bem?
A atenção se voltou automaticamente para mim. Até aquele momento, eu ficara calada e ele não dissera nada sobre nosso encontro ontem à noite.
- Sim...
- Vocês já se conheceram? – perguntou Ul.
Lyon explicou a história toda. Todos pareceram levemente surpresos por eu ter sido a primeira com quem ele falara ao chegar em casa. Mas todos os outros estavam dormindo, afinal. Gray fingia estar distraído, mas ouvia tudo com o cenho franzido.
- E você pensou na minha pergunta? – disse ele.
Na verdade, eu pensara.
- Sim.
- E então?
- Que pergunta? – indagou Chelia.
Para mim tal termo só teria significado com Gray, mas...
- O-ok, Lyon-sama...
Como ele pedira, não vi grande problema em usar o honorífico. Gray, porém, pareceu não entender isso, cuspindo todo suco que bebia em cima da mesa, enquanto corava. Lyon exibia um sorriso de satisfação. Ultear caiu na gargalhada.
- Ai, é por isso que eu adoro essa casa.
...
O resto do dia foi preenchido pelo treino, que consistiu basicamente em uma batalha entra Gray e Lyon para ver quem era o mais rápido. Toda vez que um perdia, o outro pedia revanche.
Depois disso, passei a maior parte do tempo conversando com Lyon, que me puxara para o sofá. Chelia nos dirigia a todo momento um olhar de desconfiança. Dessa vez, eu entendera totalmente. Ela estava com ciúmes de mim e do Lyon. A chamei para perto, e ela se sentou conosco. Quando Lyon subiu, ela automaticamente mudou sua feição.
- Ele é meu.
Eu não sabia o que responder. Ela parecia estar fazendo birra.
- Entendi... Eu não quero me meter.
- Que bom.- disse e se levantou.
Eu fiquei um pouco pasma, mas a situação me lembrou de uma pergunta que eu queria fazer a Ultear sobre Gray. Apesar de toda aquela conversa sobre descobrir aos poucos sobre o outro, aquilo não era uma pergunta que eu poderia fazer diretamente a ele.
Me dirigi ao quarto dela e bati na porta.
- Pode entrar.
Tímida, me sentei ao lado dela na cama, que parecia estar estudando.
- Você, hein? Não acredito que o Lyon te pediu para chama-lo assim. – ela pareceu se tocar de algo. – Meus irmãos são uns doentes. – ela fez uma cara de desgosto.
- Mas Gray-sama só pediu por que...
- Juvia, ele gosta. – ela me encarou a eu enrubesci.
- Ok então. Mas Ul, posso te fazer uma pergunta?
Ela pareceu interessada.
- O que foi?
Respirei fundo.
- O Gray-sama... Ele tem uma namorada?
Não acreditei que havia perguntado tão na lata. Ultear arregalou os olhos e deu uma risada.
- Juvia, eu já tenho me perguntado isso a algum tempo, mas... Tem alguma chance de você ter se apaixonado pelo Gray?
Não soube como reagir.
- C-como?!
- Você achou que eu não fosse notar? E por que você não pergunta isso a ele?
Eu baixei a cabeça com vergonha.
- Isso não é algo que eu possa...
Ela passou a mão na minha cabeça.
- Não acredito nisso... Bom, eu não sou de fofoca, mas que eu saiba o Gray nunca namorou.
...
Passei a maioria da noite no meu quarto, repassando as palavras de Ultear:
“- Lembra quando eu te falei que várias garotas iam atrás dele? Então, acho que por causa disso ele desenvolveu certa resistência ao romance. Todas as garotas de quem ele já se aproximou não tinham o menor interesse nele.”
Eu me deliciara com tais palavras, mas imediatamente me lembrara de Lucy. Mesmo que ela não estivesse interessada nele, ainda sim era uma inimiga em potencial, observando o jeito como Gray a tratava.
Quando estava para adormecer, meu pensamento novamente me levou ao passado. Só de pensar que naquele momento minhas maiores preocupações eram com um amor...
Meu celular deu um bipe. Estranhei, era quase meia noite. Ao desbloquear a tela, notei o aviso de mensagem piscando. Ela vinha do único contato que eu não apagara ao me mudar, da única pessoa da Phantom com quem eu tinha algum desejo de manter uma relação.
O texto, assim como a pessoa, era curto e direto:
“Aqui ficou sem graça sem você. Não aguento mais esses babacas. Chego aí no meio da semana.”.