STX Blue

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    14
    Capítulos:

    Capítulo 4

    Conexão

    Mutilação, Violência

    Em Sapphire, os bancos todos fechavam e reabriam sob domínio do banco Hoolikang, de Niko Yells. Ser analista de sistemas, segurança ou até hacker de testes de segurança eram os empregos de maior remuneração. O banco buscava mão de obra jovem, competente e de boas notas na escola.

    Cyfer é um desses jovens. Vivia na periferia sul de Sapphire. Era a região mais pobre de toda a nação, abrigando endividados, assaltantes e golpistas. Terminara os estudos e ingressara no trabalho do banco Hoolikang havia quatro dias. Foi após o lançamento militar de uma pequena nave em direção à Terra.

    Chegou Cyfer em sua casa às sete da noite. Tinha trabalhado muito, estava exausto, porém o notebook ultrapassado em cima da mesa lhe chamava. Abrindo-o e sentando-se na cadeira da cozinha mal arrumada, a tela preta se mostrou com um simples papel de parede preto com algumas linhas azuis. O relógio digital apareceu no canto superior da tela. Usando apenas o teclado, apertou uma sequência de teclas. Imediatamente, uma tela preta surgiu no canto esquerdo superior. Ocupava menos da metade do monitor de vídeo.

    Digitou alguns comandos calmamente na linha de comando. Seus óculos refletiam a tela e o que estava escrito nela. Ao ler a mensagem recebida, escreveu algumas sequências. A cada envio de dados, uma mensagem era recebida, indicando o sucesso ou não de uma operação. Os olhos moviam-se mecanicamente, pareciam programados para aquilo. Não parava de digitar algo no que era chamado de shell. Assim que enviou, vários números eram porcentagem exibidos. Logo que apareceu a mensagem de sucesso, Cyfer fechou o notebook e o deixou carregando a bateria.

    É quando seu telefone toca:

    – Ei, Cyfer! – disse a voz masculina do outro lado da linha.

    – Syrile... Olá...

    – Nossa, que desanimado! Ei, quer jantar comigo na minha casa? Eu queria conversar, como velhos amigos, lembra-se?

    – Ah, sim. Eu aceito, estarei aí em breve.

    – Ok. Até mais!

    A voz desligou o telefone. Cyfer, então, voltou ao notebook e o abriu novamente. Ao surgir a tela, ficou satisfeito. Digitou o nome do arquivo que havia baixado e o executou, conseguindo várias transações secretas do banco Hoolikang para vários banqueiros. Então, o boato ouvido no escritório naquele mesmo dia, mais cedo, era verdade.

    Em seguida, notou que baixara acidentalmente um anexo do próprio Niko Yells. Rodando-o, viu que se tratava de um assunto militar. Desceu o documento para ler mais detalhes, e acaba encontrando inúmeras referências a alguém chamado John Sageman. Em outro computador, procura sobre o homem citado. Para sua surpresa, somente um resultado foi encontrado:

    – “Homem procurado por assalto a inúmeros bancos desaparece. Revolucionário que lutara na Guerra do Caos, vinte e cinco anos atrás, John Sageman misteriosamente sumiu. Acredita-se que esteja escondido.”...

    Volta ao arquivo militar. Tomando um pouco de café em sua xícara, porém, lembra-se do encontro que tinha com Syrile, sua velha amiga de infância. Havia rumores de que tropas famigeradas por vestígios de revolucionários estariam nas áreas mais pobres da cidade-nação. Se o arquivo militar fosse verdadeiro, talvez eles fossem também fatos.

    Termina seu café e vai ao banheiro, escovando os dentes. Depois toma um banho rápido e se arruma para visitar a amiga de escola. Sua camisa simples branca e sua calça jeans eram uma das poucas combinações que podia fazer. Os tênis eram pretos e um pouco sujos. Em qualquer outro daria vergonha, mas Cyfer não se importava com isso. Apresentava traços de uma nova revolução, não como a Guerra do Caos, mas sim uma digital e silenciosa. Estaria ele preparado para dar início a essa revolução?

    Guardando o notebook, saiu de seu pequeno apartamento. Trancou-o e foi para a rua, chamando um táxi que passava por ali para que o levasse à casa de sua amiga.

    O alerta na base militar associada à YuKS era vermelho. O sistema apresentara uma falha. Os soldados eram todos mobilizados para um galpão da área azul da base, e as sirenes não paravam de tocar. Alguns robôs de batalha também eram movidos ao galpão, e seu andar fazia o chão tremer.

    No setor de inteligência, todos os pesquisadores tentavam descobrir a localização do invasor, em vão. Nada surtia efeito. O invasor entrara, pegara o que queria e saiu sem deixar pistas. A luz vermelha piscava dentro da central:

    – O que houve? – chegou o comandante do setor.

    – O sistema foi invadido e alguns arquivos vazaram! – relatou imediatamente um agente.

    – Quais vazaram?

    Uma mesa redonda com um holograma fora ativada, mostrando os nomes dos arquivos retirados pelo invasor. Ao ver o nome do experimento STX, soltou os mais variados palavrões. Minutos depois, passou pela porta automática o mais poderoso banqueiro de Sapphire:

    – Como entraram? – perguntou Niko Yells.

    – É o que estamos investigando. Não havia como ele acessar esses arquivos sem ser daqui de dentro! – reportou o comandante.

    – E quais arquivos foram roubados? – novamente o banqueiro.

    O comandante apontou-lhe a mesa onde constavam no holograma os nomes dos arquivos. Niko toma um susto ao ver o nome de John Sageman. Se descobrissem o seu envolvimento com o ex-militar, possivelmente morto, seu reinado cairia:

    – Comandante, tenho certeza de que foi algum civil. – citou Sageman.

    – E por que? Como um civil teria acesso a um conteúdo altamente restrito como este?

    – Isso é trabalho de vocês descobrir. Agora, eu sugiro que busquem todos os habitantes que lutaram, tem parentes ou relações com a Guerra do Caos, vinte anos atrás. E verifiquem cada um deles.

    – Mas isso eu não posso fazer! Viola os artigos da...-!

    – Eu mando aqui, esqueceu? Você é meu fantoche. – disse seco, fazendo um sinal de silêncio. – Agora, faça o que mandei.

    – Sim... Senhor...

    O comandante deu a ordem de busca com o auxílio do exército, por terra, ar e água. Submarinos começavam a patrulhar o fundo dos oceanos, nenhuma hipótese era descartada. Os inúmeros soldados do galpão embarcaram nos caminhões ali presentes. Todos tinham armas poderosas e letais, autorizados a matar quem entrasse no caminho. Os robôs de batalha, lentos, eram levados pelos helicópteros e soltos em pontos aleatórios da cidade.

    Como operação secreta, quanto menor o vazamento de informações, mais chances de sucesso.

    Um pouco antes de Syrile abrir a porta, Cyfer olhou para o fim da rua. Um soldado vinha em sua direção. Não era possível ver sua face, porém o garoto sabia que ele não estava ali para brincadeira. Assim que Syrile abriu, entrou.

    Ambos tomaram um chá, já servido pela jovem. Durante a conversa, Cyfer olhava para fora, em busca do misterioso militar:

    – Algo errado, Cyfer? – pergunta Syrile.

    – Não... – respondeu de forma vaga, parecia sonhar acordado.

    Syrile começou a estranhar. No que Cyfer se metera?

    Minutos se passaram na central de controle. Todos estavam ansiosos por respostas: quem era o gênio que invadira o sistema do exército, roubou inúmeros arquivos confidenciais ultrassecretos, e sumiu sem deixar pista alguma?

    O comandante ouve a porta eletrônica se abrir. Logo olha para ela, vendo um de seus comandados aparecer com uma lista:

    – Senhor! Fiz uma lista de possíveis suspeitos, segundo os critérios que o senhor me passou!

    – Muito bom, rapaz. Descansar.

    Assim que o jovem passou pela porta eletrônica, Niko toma o papel que tinha a lista:

    – Vou ver os sobrenomes... Unirat, Famiglier, Joherty... Ah, que saudades desses caras. – disse, ironicamente, desprezando o próprio passado. –... Azure... Hmm... Syrile Azure, investiguem ela. Dos outros sujeitos, jamais ouvi falar...

    O comandante sai para executar a ordem de Niko. Enquanto isso, este se perde em seus devaneios, lembrando-se de Friedrich Azure. Fora um revolucionário que mencionou no fato de sua mulher estar grávida, isso às vésperas do fim da guerra. Alguns anos depois, o homem desapareceu com a mulher, e Niko perdera contato com ele.

    – Niko, os homens já a encontraram. Quer que a investigue?

    – Não. Capturem-na viva. Talvez ela saiba quem invadiu o sistema. E também, vai ser bom ver vestígios do passado. Traz boas lembranças.

    – Certo...

    O comandante sai novamente e conversa com alguns militares de menor patente. O banqueiro encara novamente o nome da garota. Seria ela mesma, a filha do único homem que, apesar de ser odiado por Niko, tinha seu respeito?

    Cyfer não conseguia parar de sentir que algo ruim aconteceria. Já estava todo arrepiado, e Syrile percebeu isso enquanto comia uma fruta:

    – Estranho... – começou o garoto, olhando pela janela.

    – O que foi? – a jovem se aproxima.

    – Tem muitos soldados aqui na rua hoje. E não é dia de operação...

    – Estranho...

    De repente, ambos notam a chegada de dois carros militares. Cada um transportava 5 soldados, e estacionaram em frente a casa de Syrile. Imediatamente, perceberam que havia alguma coisa errada.

    A tensão tomava conta da sala. A única casa cuja energia não fora cortada era a dela. O bairro todo estava escuro, eram 10 horas da noite:

    – O que faremos? – pergunta Cyfer.

    – Vamos desligar o circuito. – responde ela.

    Sorrateiramente, Cyfer vai até a caixa de força e puxa a alavanca, cortando imediatamente a energia elétrica da casa, apagando todas as luzes. Tudo fica em um silêncio instigante. Cyfer e Syrile se encaram, e voltam seus olhares para a porta. De repente, ouvem passos dos militares, como se corressem. Pareciam cada vez mais perto da casa.

    Sobre a mesa repousavam um caderno e duas canetas. Discretamente, Syrile pega tudo ali e entrega um caderno a Cyfer. Com a caneta, ela escreve numa das folhas vazias do caderno “Vem comigo, vamos sair daqui”. Ele responde acenando positivamente. A garota loira entrega-lhe a segunda caneta. Ambos vão silenciosamente até uma porta misteriosa. Syrile a abre, revelando um túnel vertical. Era escuro, e apenas algumas barras retorcidas formavam algo parecido a uma escada.

    A garota escreve que precisavam seguir pelo túnel para escapar dos militares. Indo primeiro, Cyfer desce a escada, com cuidado e medo de algo dar errado.

    Trancando a porta pelo lado de dentro, foi a vez de Syrile.

    Em 6 minutos já estavam no fim do túnel. Havia um outro corredor, mais escuro que o primeiro. Era uma escada.

    Um estrondo é ouvido na área de cima da casa. De onde a dupla estava, parecia um trovão.

    Ambos param quando uma porta eletrônica determinava o fim da escada.

    “Não deveria haver alguma saída aqui?” escreveu Cyfer no caderno.

    “E aqui está” respondeu Syrile também pleo papel e caneta. Ela puxa a alavanca escondida entre as pedras, fazendo a porta eletrônica, camuflada de rochas, se dividir em duas chapas de ferro. Estas, por sua vez, correram para os lados. E apenas uma lâmpada vermelha de emergência se acendeu, revelando algumas armas, roupas e ferramentas.

    Ao cruzarem a porta, esta se fechou, e não era possível dizer que havia uma passagem ali.

    Os militares vasculhavam com armas poderosas e miras a laser. Mais de 20 soldados já estavam na casa de Syrile buscando-a:

    – Encontraram? – pergunta o sargento responsável pela operação.

    – Não, senhor. O alvo fugiu! – relatou um soldado.

    – Não se esqueçam, essa é a casa de um ex-revolucionário. Ele pode ter feito passagens secretas por toda a estrutura desse lugar! Fiquem de olhos e ouvidos bem abertos.

    – Sim, senhor!

    O sargento vê a porta trancada. Um pouco à direita, uma janela mostrava uma parte do quintal. Como já tinha rondado o exterior da casa, sabia que não tinha porta para o quintal naquele ponto da edificação. O que seria aquela porta, sendo que a casa era térrea?

    Curioso, ele vai até a porta e tenta abri-la, percebendo que a mesma estava trancada. Discretamente força a fechadura, conseguindo girar livremente a maçaneta. Quando abre a porta, vê o túnel, ficando impressionado:

    – E eu achando que esse era algum quarto... – comenta consigo mesmo. E sai para reportar a situação.

    As ruas estavam escuras, iluminadas apenas pelas luzes de alguns postes. Syrile e Cyfer já estavam chegando à casa do rapaz, apenas mais algumas quadras. O frio era congelante, e o vento forte fazia pequenos objetos serem arrastados de um lado para o outro. A copa das árvores negras podia ser um pouco apavorante, conforme o ponto de vista.

    Minutos depois, já estavam na casa de Cyfer. Ambos entram e trancam a porta. Cyfer segue direto para seu notebook. Abrindo-o, liga-o e analisa o arquivo militar que conseguira:

    – Aonde conseguiu isso!? – pergunta Syrile assustada.

    – Ah é, eu esqueci de dizer... Eu sou Hash.

    – Você... Hash...?

    Syrile jamais imaginou que conhecia Hash, o chamado “justiceiro digital”, todos acreditavam que fosse um grupo extremamente rico e preparado. Mas ela agora sabia a verdade, que “Hash” jamais passara de um garoto de 18 anos ativo de dentro de sua própria casa. Ninguém imaginava que fosse uma mente tão brilhante como a de Cyfer, uma vez que ele aparentava alguma doença mental:

    – O que está fazendo? – pergunta Syrile.

    – Sabe aquela nave pequena lançada recentemente?

    – Eu ouvi falar, mas...

    – Era a nave de John Sageman, segundo esse arquivo. O Niko Yells sabia de tudo e o deu aos cientistas da YuKS!

    – Que história impressionante! E o que vamos fazer?

    – Se eu estiver certo, consigo me comunicar com a Terra. Espero que dê certo...

    – Como vai fazer isso!? Tudo bem que estamos próximos à Lua, mas...-!!

    – Eu não sei, mas vou conseguir. – concluiu naturalmente.

    Digitando comandos como um louco, conseguiu fazer de seu computador um comunicador a longas distâncias. Ainda que ultrapassado, seu notebook ainda tinha muito a oferecer. Recursos escondidos já não eram novidades para o hacker. Seus olhos fixos na tela o faziam um zumbi da tecnologia.

    Por acidente, errou uma letra de número na sequência do comprimento da onda. Porém, deu a sorte de cair em uma transmissão secreta:

    – Mas o que é isso...? – perguntou Syrile.

    – Parece ser uma rede secreta... Vamos ver se tem alguém do outro lado...

    Cyfer ligou o microfone. Um chiado irritante perturbou por alguns segundos. É quando decide ele tentar a comunicação:

    – Alguém na linha...?

    Ficou três minutos e nada. Porém, quando estava quase desistindo, recebeu uma transmissão:

    – Alô, alguém na linha?Câmbio.

    Era uma voz metálica bem definida. Um quase imperceptível barulho constante podia ser ouvido ao fundo. Cyfer se anima:

    – Alô, Hash de Sapphire, câmbio!

    – Hash de Sapphire, aqui é a Magnus. Com quem estou falando? Câmbio.

    – Com Hash, mas pode me chamar de Cyfer, se preferir. E eu, com quem estou falando?Câmbio.

    – Aqui é o comandante da Magnus, capitão John Sageman. Câmbio.


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