O céu negro e escuro quase não permitia a entrada de um raio de sol. A Little Crap, porém, furava todas as camadas de poeira e resíduos tóxicos sem problemas. Era uma luz em imensa escuridão, que passava como estrela cadente.
Através da pequena janela da nave, John via cada vez mais próxima a Terra. Ouvira muitas histórias sobre aquele planeta. Como poderia o berço da Humanidade ter se tornado aquela coisa sem vida?
Uma mensagem aparece na tela ao lado da janela, indicando que o pouso seria em alguns minutos. Foi o último momento de checar seus equipamentos.
John fecha os olhos por algum tempo, até que sente o choque entre a parte de baixo da nave e o solo árido e duro do planeta. A nave se arrasta por quase cem metros, até que para ao bater em uma alta duna.
Um capacete se formou ao redor da cabeça de John, que logo ativou as lanternas laterais deste. Equipando sua SPAS5000 do arsenal, ele abre a porta da Little Crap. O céu está escuro, marrom por causa da tempestade de areia que ocorria naquele momento.
Não era possível ver cinco metros à frente. John saiu da nave e perto dela permaneceu, até que a tempestade apresentasse condições mais favoráveis. Ele se levanta quando achou que poderia prosseguir.
O ex-militar escalou a duna. Do topo, viu sem nitidez uma haste negra em pelo horizonte tenebroso de tom de terra. Antes que muitos flocos danificassem seu capacete, retirou-se dali. Ao pé da duna, falava consigo mesmo:
– O que será aquilo? Uma construção? Será que conseguirei ajuda se for até lá? Impossível... Ninguém viveria nesse planeta. Ninguém... Ninguém...
É quando olha para sua nave. Ela parecia um pouco avariada. Desesperado, corre e tenta reativá-la, em vão. Liga o computador da nave e, na tela, digita um pequeno relatório endereçado à YuKS:
– “Estado do planeta: péssimo. Muitos ventos fortes, total deserto, ausência quase total de luz, tempestades de areia, solo tóxico, ar tóxico. Até agora nenhuma constatação de elementos que favoreçam vida, como água, oxigênio e matéria orgânica.”
Ao apertar a tecla de enviar, John sai da Little Crap e sobe novamente a duna. Utilizando a função de lupa da armadura, focalizou o objeto negro. Será que conseguiria chegar até lá?
De repente, um barulho alto e vibrante o fez olhar para trás. Era a Little Crap explodindo em mil pedaços. E logo compreendeu tudo: fora vendido por Niko aos cientistas. Como rato de laboratório, fora usado até aquela hora. Viu que não tinham a menor intenção de ajudá-lo. E que estava sozinho:
“Malditos...” amaldiçoou ele. “Eu vou matá-los, um por um!”
Focalizando o objeto negro, John segue pelo deserto. Com arma em punho, de vez em quando olhava para os lados. A tempestade estava ainda muito forte, e o exilado ia contra os ventos.
Com muito esforço, conseguiu se estabilizar a caminhar pela areia. Os flocos de areia batiam intensamente contra o metal em sua armadura. Quando passa por mais uma duna, olha de repente para a direita. E seu coração dispara:
– Mas o quê!?
Ele salta e se prepara para atirar, porém não o faz: ao observar a figura à sua frente, constata que era apenas um corpo sem cabeça, enrolado em panos negros e quase totalmente decomposto. Isso lhe causou curiosidade, pois como havia um corpo ali, sem vestimentas adequadas, naquele estado de decomposição? No mínimo, haveria somente ossos, concluiu John.
Continuou seu caminho em meio à tempestade rumo à coisa negra que avistara. Agora que sua nave estava destruída, sabia que estava destinado a morrer naquele planeta. Então por que não explorá-lo um pouco?
Com muito esforço, John alcança à construção: era uma torre feita de algum metal antigo. Tinha por volta de quatro metros de altura, por uns dez de diâmetro.
John olha para cima, pois percebe algo escuro sobre si. É quando uma base redonda se mostra sobre seus olhos, revelando o que poderia ser uma cabine de comando. Mas comando de quê?
– Eu tenho que ver mais de perto...! Sistema, propulsores!
Com a ordem à STX, John ganha acesso aos quatro propulsores nas pernas. As chamas eram azuis e, com um pouco de dificuldade, conseguiu sair do chão. Subiu até o seu alvo, indo para a lateral deste. Ali, encontrou algumas janelas avermelhadas. Através delas, viu o que parecia uma sala de controle. O que se escondia por debaixo da areia no chão?
Subiu um pouco mais, onde viu um pequeno duto de ventilação. A grade estava quebrada, e o canal era grande. Primeiro pôs as pernas. Quando passou, escorregou para dentro da cabine. Caiu de pé, pois o canal era curto.
Dentro, observou os controles no painel ali presente, que circundava quase toda a cabine. Ao seu lado, uma porta aparentemente trancada. Estava tudo escuro, porém nada que não conseguisse enxergar sem as lanternas.
Começou a andar pela cabine, tirando o pouco de pó que se acumulara com o tempo. Há quantos séculos estaria aquela coisa na Terra?
Os controles lembravam um pouco as naves dos anos 3000, algo obsoleto em 5079. Com cuidado, limpa uma das janelas. Notou que ela estava um pouco curvada para baixo. Se fosse alguma nave, havia caído em batalha, mergulhando de frente no solo após ter sido atingida.
Curioso, foi até a porta e girou a maçaneta que lembrava um timão de navio pirata. Quando o fez, a porta se abriu e uma escada se revelou: era apenas uma sequência de barras de ferro soldadas no interior da torre, nada sofisticado. Sem pensar, começou a descer, com cuidado, para um ambiente cada vez mais escuro.
Assim que chegou ao fim, notou outra porta encostada. Essa, diferente da primeira, deslizou para a lateral, passando.
O que encontrou ali era impressionante: um corredor largo e amplo, chegando a quase três metros de altura. O teto e as paredes pareciam uma coisa só, como um arco sutil. Havia um pouco de areia no chão, junto com alguns pedaços de rocha que deviam ter entrado na nave com a queda. Fosse o que fosse, continuaria sua exploração.
Escolhendo seguir pela direita, John começa a andar sobre a areia, com cuidado para não dar um passo em falso. Se ficasse preso a alguma coisa ali, seria o seu fim.
Chegando à parte sem areia, Sageman foi até outro corredor:. Perpendicular ao que estava, parecia que ali era um centro de comunicação dos corredores da nave. Ao viu um robô humanoide desativado. De cor vermelha seu tronco era uma grande esfera, de quase um metro e tinha uma pequena abertura na parte superior para a cabeça também esférica. Suas mãos e pés metálicos eram conectados através dos cabos que lembravam veias e artérias do corpo humano. Estava avariado, porém nada piro do que um braço ou perna desconectado.
O centro do robô tinha um pequeno círculo. John pôs a mão sobre ele, vendo se conseguia ativá-lo. Em vão, Sageman o revira em busca da identificação:
– De que nação você é...? – dizia para si mesmo.
É quando encontra: uma bandeira da Nação de Ignis, extinta em 3080. Uma lembrança lhe vem à mente, a de uma antiga lenda sobre a Guerra Sapphire versus Ignis, na qual a segunda saíra vitoriosa e, meses depois, explodiu. Seria aquela uma nave da antiga nação mais poderosa belicamente?
Vendo que não ganharia nada ficando ali, John levanta-se e volta a explorar a nave que encontrara: Uma porta encostada estava parcialmente danificada. Ao entrar na sala atrás desta, apalpa a parede metálica e encontra uma alavanca. Inesperadamente, John move a mesma, que inicia o acendimento das luzes no local. Ali parecia ser o hangar, onde ainda haviam nove naves de batalha menores, cento e quarenta robôs de batalha, e várias caixas de ferramentas. Seus olhos vislumbravam aquela cena incrível. Seu corpo, que há tempos não encontrava uma boa luta, fervia mais do que quando tinha febre. Só de imaginar todo aquele arsenal contra Niko Yells, tinha arrepios.
Uma passarela metálica tinha alguns buracos, mas nada o impediu de descer até o hangar e contemplar melhor o imenso poder bélico à sua frente. Os robôs tinham mais de cinco metros de altura por quatro de largura. Armados até os dentes, estes pareciam intocados pelas areias do tempo. Idem as nove espaçonaves. O que teria acontecido aos pilotos para que todo aquele arsenal permanecesse dentro do hangar?
Deu mais alguns passos em direção a um dos robôs. Aproximou-se do que seriam seus pés, e leu neles “Krusher”. Tinha, no lugar de braços mecânicos como os outros, poderosos canhões. Tinha uma cor verde metálica, de tom frio e apagado. Em todos eles haviam placas de metal que serviam como ombreiras.
É quando um barulho lhe tira de seus devaneios: olhando para a direita, vê a chave inglesa antes na mesa, caída no chão. Seus olhos negros moveram-se rapidamente para a direita. E se apavorou.
Uma criatura meio orgânica, meio robótica, estava diante de si. Rosnava, sua pele úmida era cinza e tinha olhos vermelhos artificiais. Seu rosto parecia o de um morcego, porém os dentes eram mais afiados. Os braços tinham um pouco de metal, reforçando a ideia de ser biônico. Os pés pontiagudos tinham apenas três dedos cada. Babava, queria devorar John a todo custo:
– Mais o que é isso? STX Scanner! – gritou John, ativando a função de leitor de dados da armadura.
A análise emergencial não encontrou nenhum registro de algo parecido em seu banco de dados. Os resultados se resumiam em uma palavra: null.
John aperta o gatilho de sua SPAS5000, porém não havia munição na mesma: então, entendeu que isso era parte do plano de Niko para que nunca mais voltasse a Sapphire. Vendo que o monstro preparava-se para atacá-lo, Sageman se põe a correr por entre os corredores que se formavam entre os robôs e naves do hangar. John, ao mudar de corredor, evitando a garra afiada do bicho, grita:
– STX propulsores, atributo um, zero, quatro!
As costas da armadura se abriram, e quatro jatos se ativaram, dando um grande aumento na velocidade de John.
A criatura não ficou para trás: pôs se a correr mais rápido, até que conseguiu permanecer a uma distância constante do alvo.
John olha para trás e vê a cauda metálica do bicho vindo em sua direção. Ele desvia, porém a mesma consegue se cravar na armadura na volta. Isso faz os propulsores se desativarem, assim como todas as funções da STX. O monstro, então salta por cima de John, caindo sobre si. As garras eram mais afiadas do que pareciam. O bafo da criatura era horrível, e ambos ficam a centímetros de distância um do outro. A tensão toma conta do ambiente. John sentia a morte olhando para ele. Porém, em um último esforço, empurra seu adversário, conseguindo se desviar do próximo ataque.
John desvia de mais um ataque, porém o último não havia como desviar: a criatura usa sua cauda metálica para tentar atravessar a armadura, porém esta resiste. O ex-militar nota uma esfera radiante no centro do bicho, parecida com a que encontrara no robô horas atrás. Afastou-se, indo até o corredor principal do hangar, por onde os gigantes robôs costumavam passar para sair da nave. Com apenas sua vontade de viver, ficou ali. O monstro que o enfrentava fez o mesmo. Agora a uma certa distância um do outro, ambos se encaravam com o desejo de vencer.
De repente, eles avançam um sobre o outro: correm com coragem, grunhiam um para o outro, como machos que disputam um território ou uma fêmea.
Os dois se aproximam. John, em um único movimento, esboça um chute rápido na esfera no peito do bicho, fazendo-o voar longe. Sentiu que não era tão impossível sobreviver naquele novo mundo.
O bicho levantou-se, porém não o atacou: em vez disso, usou uma das garras para coçar a cabeça por causa do impacto na parede:
– Onde... Estou...? – pronunciou a criatura, com sua voz rouca.
– Mas o quê? – disse John, estranhando-a cada vez mais.
– Ei, quem é você? E o que está fazendo aqui!?
– Calma, calma! Eu só estava passando pelo deserto lá em cima e...!
– Deserto? – a criatura mudou seu semblante.
– É, você não sabia? Tem um deserto em cima dessa... Dessa... Dessa coisa, nave, não sei...!
– Ah, vejo que não é um dos nossos. – o ser estranho aproximou-se. – Diga, em que ano estamos?
– Cinco mil e setenta e nove. – respondeu John.
A criatura tomou um susto. Não acreditava que passara mais de 2000 anos desde a última memória que tinha. Começou ela a cambalear de um lado para o outro, desacostumada com o tempo em que estavam. O que havia feito durante todo esse tempo?
– O que você... É? – questionou John.
– Eu sou Jar, engenheiro nanotecnológico e militar... Eu construí metade dos sistemas desses robôs... – e aponta, com as garras, para os que ele construíra.
– Entendi... E como você... Virou um misto de morcego e ciborgue?
– Eu estava em algumas pesquisas nos laboratórios da Magnus. Foi quando estávamos atrás do prisma de Ikarion, um artefato muito poderoso. Lembro que fomos atacados por uma imensa frota de naves eladianas. Eu estava no laboratório, havia muitos produtos químicos, um morcego e um escorpião robótico. Pesquisava sobre as asas do morcego e se podia usá-las para fazer um novo robô para nos ajudar na busca por Ikarion. Quando a nave chacoalhou, houve uma série de explosões no laboratório. Acredito que a reação dos produtos químicos com o metal e o morcego rearranjou minhas moléculas estruturais e me transformei nisso.
– Espera. – interrompeu John. –... Você disse “prisma de Ikarion”? Ele não é apenas uma lenda?
– É isso que dizem dele hoje? Sim, ele existe. E está aqui.
– Então... Quer dizer que essa nave gigante em que eu e você estamos é a...
– Sim, bem-vindo a bordo da Magnus, a mais poderosa nave da nação de Ignis!
John passou a se considerar um homem de sorte: jamais esperava encontrar uma nave que habitava somente as lendas militares. A nação Ignis fora destruída em 3090, anos após vencer a guerra contra Sapphire. Ficou impressionado com a grandiosidade do artefato encontrado:
– E você? – questiona Jar. –... Quem é?
– Sou John Sageman. Ex-militar de Sapphire, traído por pessoas que eu julgava leais...
– Sapphire? Ela não está em guerra com Ignis?
– Não. A guerra acabou em 3080, com vitória de Ignis. Porém, anos depois, ela foi misteriosamente explodida, desintegrando-se no espaço.
– Não acredito... Não pode ser, até ontem ela parecia tão vívida! Tão... Se estamos em 5079, como você falou, a tripulação hoje não é nada mais do que um pedaço de ossos...
– Acho que nem isso... – disse John.
Jar se virou, encarando os robôs gigantes que havia construído. Que utilidade teriam eles quase 2000 anos de fim da guerra?