Alma Gêmea: Destinados

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    Capítulos:

    Capítulo 9

    Segredo

    - Se sentir qualquer coisa, Dra., me informe! – disse France, a nova enfermeira do hospital, com um belo sorriso pra mim, que fiz questão de retribuir.

    Mas se fosse qualquer coisa, France, eu já estaria pedindo socorro. A lembrança dos tristes olhos azuis daquele homem gritando o meu nome estava latejando na minha mente e abrindo feridas no coração. Se eu pudesse lembrar quem ele era e o que aconteceu...

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    Cap. 9 

    Três dias depois, finalmente resolveram me dar alta. Toda a equipe de cardiologia estava sem entender o que aconteceu comigo. Fiz inúmeros exames, mas nenhum conseguiu apontar uma causa para a minha “quase morte” ou mesmo uma sequela. Eu estava perfeitamente bem. Graças a Deus.

    Apesar de ter um atestado de duas semanas, após o 5º dia eu estava de volta ao hospital. Guilherme, como sempre, se irritou, achando uma terrível irresponsabilidade da minha parte. E eu, como sempre, não me importei, e minutos depois que ele saiu, dei toda a minha atenção ao que Laura havia reservado para mim.

    - Você tem algumas consultas remarcadas, uma cirurgia para a tarde e... - Laura titubeou – e também tem o seu paciente do acidente de carro, hoje é o dia da alta dele. Mas se você quiser, posso mandar outra pessoa...

    - Não, Laura. Como você disse, ele é meu paciente. E eu tenho que dar alta a ele. - disse, firmemente.

    - Rebecca, por favor... Você não precisa passar por aquilo de novo! Aquele cara, ele...

    - Ele não é louco, Laura. Pare com isso. E vou atendê-lo agora mesmo.

    Deixei a recepção e a cara de bronca de Laura para trás e peguei o elevador. De certa forma, eu sentia que precisava confrontá-lo para saber o porquê de seu desespero para que eu lembrasse quem ele era – afinal de contas, eu nunca tinha presenciado alguma situação assim.

    Olhei o número do quarto pela ficha e bati antes de entrar. E para a minha surpresa, Guilherme já estava lá, dando os últimos conselhos antes de David partir. Quando me viu, ele jogou um olhar como quem diz “O que você está fazendo aqui?”, mas antes que ele pudesse por em palavras, eu me adiantei:

    - Bom dia, Dr. Guilherme. Vim participar da alta do nosso paciente. – Guilherme engoliu em seco antes de fechar a cara para mim.

    - Rebecca? – ouvi a voz de David, enquanto ele se esgueirava para me ver atrás de Guilherme.

    - Dra. Rebecca, eu já estava terminando com o paciente. Creio que sua presença não seja necessária. – disse Guilherme, tentando me confrontar. Mas ele já deveria saber que eu sempre ganho.

    - Antes de ele ir, gostaria de ter uma conversa em particular com o paciente. Ah, claro, se ele estiver disposto. – disse, e vi a cabeça de David balançar rapidamente para cima e para baixo, junto com o grande sorriso que ele abriu.

    Guilherme respirou fundo, derrotado. Apertou a mão de David e, ao passar por mim, beliscou meu cotovelo. Ele bateu a porta com força.

    Uma mulher muito bonita que estava ao lado de David arrumando suas coisas na mala saiu logo em seguida, deixando-nos completamente às sós.

    - Namorada bonita. – eu disse, meio sem jeito. David riu e balançou a cabeça.

    - Ela não é minha namorada. É minha irmã. E agora eu realmente tive certeza de que você perdeu a memória.

    - O que aconteceu naquele dia? Porque você estava tão desesperado para que eu lembrasse de você?

    David abaixou seus olhos azuis e respirou fundo três vezes.

    - Já que você não lembra, não vale a pena contar.

    - David, por favor. Eu estava em algum lugar do qual não me lembro e acordei numa UTI sabendo que quase morri e perdi a memória do único paciente que tecnicamente eu jamais deveria esquecer! Eu preciso saber o que aconteceu! Preciso saber o porquê que eu me esqueci de você!

    - Rebecca... – ele sorriu com desgosto – você vai se casar...

    - E o que diabos o meu casamento tem a ver com nós dois?

    David levantou os olhos, colocando uma expressão estranha neles. Na verdade, ele parecia guardar um segredo.

    - Diga David. Seja lá o que for.

    - Eu me apaixonei por você. – eu congelei – Mas não faz sentido discutir isso agora, porque eu vou embora e você vai se casar. E você nem se lembra de tudo o que passamos juntos.

    Engoli em seco. Tentei pôr uma expressão nem tanto assustada, mas não tenho certeza de que dera certo. Foi isso mesmo que eu acabei de ouvir? Um paciente se apaixonou por mim?

    De repente, as palavras subentendidas de Laura ao achar que ele era louco começavam a fazer algum sentido em minha mente.

    - Eu... não quero discutir mais isso. Te agradeço por tudo o que fez, mas se puder me dar licença, quero que saia daqui para que eu não faça algo do qual me arrependa e possa terminar de me arrumar pra ir embora desse maldito hospital.

    - Claro. Me desculpe pelo que quer que tenha acontecido. Fique bem. - disse, e logo saí da sala.

    Enquanto observava de longe o carro ir embora com David e sua irmã, me senti estranhamente sufocada. Havia algo preso na minha garganta, como se faltasse algo a ser dito. Porém, não acredito que eu tenha dado razões para ele se apaixonar por mim. Isso se o que ele contou for verdade.

    Guilherme me encontrou no corredor, e quando pensei que fosse começar a brigar, ele me puxou pelo braço até a recepção, onde disse para cancelar todas as nossas consultas. E antes mesmo que eu pudesse reivindicar, já me vi dentro de seu carro, sendo levada para casa.

    - Mas porque merda você foi falar com aquele louco? - ele esbravejou.

    Ótimo. Mais uma lição de moral do noivo. Enquanto Guilherme desenvolve o seu monólogo de acusações contra mim – e eu finjo estar ouvindo, soltando vez ou outra um “aham” e “hum”- penso na probabilidade de ter esquecido de que eu também gostava de David. Ou não só gostado, mas...

    Não. Eu não trairia Guilherme.

    - Você entendeu? - ele disse.

    - Aham. - respondi, sem ao menos ter ideia do que ele acabara de falar.

    Abri a porta de casa e joguei minhas coisas no sofá enquanto Guilherme continuava a sua cena. Mas um certo objeto encostado ao lado da estante me chamou atenção. Eu nunca havia o visto antes ali.

    - Guilherme, esse guarda-chuva é seu? - disse, segurando o guarda-chuva preto em sua frente.

    - O quê? Você está ouvindo o que eu estou dizendo?

    - Estou, mas preciso que me responda!

    - Não, o meu ficou em casa hoje. Qual é o problema?

    - Eu não lembro de onde ele veio.

    - Rebecca... - ele me abraçou e beijou a minha testa – você perdeu a memória. Talvez o tenha comprado, ou então seja dos seus pais.

    Ele pegou o guarda-chuva da minha mão e o colocou de volta no lugar. Guilherme era bom em me despreocupar, mas dessa vez nem a sua companhia pelo resto do dia me fez sentir melhor. “Isso é passageiro, pensei”. Com certeza amanhã estaria tudo bem.


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