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Os olhos dela pareciam dançar e fitar alguém no horizonte que em verdade, não estava lá.
- Cuida dele pra mim, ta? - disse ela, me fitando de lado numa feição doce que inspirava confiança e esbanjava ternura.
O nome dela era Rose. Tão linda quanto era possível para um ser humano. Seus cabelos castanhos e longos, tal como os olhos verdes e a pele branca e suave lhe pareciam ter sido presenteados por Deus. Era perfeita, e estar perto dela era sempre perfeito para mim também, exceto por um detalhe chato; era o grande amor de meu melhor amigo, Tiago. Haviam começado a namorar há dois meses, após alguns encontros e desencontros. Eu, Leandro, era apenas um amigo em comum entre os dois. Alguém que os uniu e os apoiou, mesmo que por dentro tenha sido despedaçado por ter de desistir daquela que para mim foi à única pessoa amada, sacrificando meus sentimentos pela felicidade de meu melhor amigo. Ou pelo menos era o que dizia para mim mesmo. No fundo, sabia que minha própria fraqueza era culpada por tudo aquilo. Gostava de Rose muito tempo antes de Tiago vir me contar sobre seus sentimentos por ela, mas nunca tive coragem de dizer nada a ela, e me conformei com a idéia de que jamais passaria disso; um amigo. Foi com grande surpresa que recebi a notícia de Tiago. Os dois estavam juntos e era algo sério. Rose era uma garota difícil, muitos já sabiam disso e admito que não esperava que fosse o meu amigo atrapalhado que conseguiria essa façanha.
- Sabe Leandro, eu sempre achei que a amizade entre vocês era mais forte do que qualquer outra que eu já tivesse visto. Mas acho que não tem muito a ver com isso, a verdade é que você é que protege os laços que tem. Cuida de mim também, e dos nossos amigos. - Rose faz uma pausa, como quem tenta ouvir as próprias palavras, tomava o cuidado de parecer sensível - É claro que Tiago o ama também, e a mim. Mas ele nunca demonstra isso da mesma forma que você, a maneira dele de dizer que nos ama é estar sempre por perto, nos fazendo rir e não nos deixando desanimar por nenhuma bobagem.
- Eu sei... - disse a ela, meio constrangido por aquele momento. Há muito tempo não conversava com ela sozinho, estava tenso. Rose iria viajar por duas semanas, eram férias de meio do ano, nada de escola, assim cada um seguiu seu rumo. Tiago e eu ficaríamos na mesma, mas Rose havia sido convidada por uma prima do interior a passar as férias com ela. Seria um longo e difícil período para mim e Tiago, e uma parte de nós com certeza gostaria de ir com ela. Éramos um ano mais velhos que Rose, ela tinha dezesseis, e nós dois dezessete, diferente dela já tínhamos a preocupação do vestibular. Combinamos de estudar um pouco e tentar melhorar as notas que caíam desde o segundo bimestre. Tiago não se concentrava na escola desde o início do namoro com Rose, e eu meio que me deprimia já há algum tempo por causa daquela situação em que havia me metido, de ser cupido de meu amigo com a garota de meus sonhos. Por isso, minhas notas também caíam, embora não tanto quanto as de Tiago. Sempre fui do tipo que não estudava para a prova e mesmo assim tirava um sete ou oito, se estudasse poderia ser o melhor da turma ou mais, só que apesar de ser inteligente era também preguiçoso. Não podia me concentrar naqueles últimos dias, pensava apenas em Rose, e meu futuro sem ela era vazio e sem importância.
- Então é isso... - disse ela, tentando finalizar aquela estranha conversa, eu mesmo já me sentia perdido. Não sabia ao certo por que de tudo aquilo. - Espero que aproveitem as férias, e vê se cuida do meu gatinho, não deixa ele chegar perto de nenhuma mocréia por aí viu, Leandrinho?
- Está certo, vou cuidar dele sim. Agora chega disso, ainda tem que se despedir dele, não é? Você não viaja amanhã cedo?
- É, mas o Tiago vai passar lá em casa hoje pra jantar, minha mãe quer aproveitar a ocasião pra conhecê-lo melhor sabe... Ele está meio nervoso...
- Ah, é. Ele me disse algo a respeito, tinha me esquecido.
O silêncio nos consumiu por alguns instantes que mais pareciam horas. Enfim ela deu um passo em direção do portão da escola, depois pareceu desistir e veio direto pra cima de mim. Fiquei meio sem reação até que percebi que ela me abraçava. Correspondi. Foi o que bastou para me fazer ficar ainda mais triste pela sua viagem. Mas naquela ocasião, não sabia que aquela seria a última vez em que veria Rose assim. Meu coração nunca poderia suportar perdê-la, e de forma alguma eu poderia ter me preparado para o que estava por vir. Passei a acreditar que nunca tive escolha sobre minhas ações, nos eventos, que viriam a destruir minha vida.
Vi ela se afastar, seguindo em direção ao portão. Sorria para mim em momentos alternados e acenava, parecia decidida a me fazer sofrer com aqueles gestos afetuosos. Pouco antes de desaparecer de vista, notei que um rapaz se aproximava dela para conversar enquanto caminhavam. Reconheci o sujeito, era Charles; o ex-namorado de Rose. Não se conformava com o fim do relacionamento de um ano atrás. Insistia em falar com a garota já há algum tempo, mas teria se tornado ainda mais persistente após o início do namoro da menina com Tiago. Decidi não contar a Tiago, isso apenas o deixaria irritado, e não queria que arrumasse confusão com aquele babaca. Tiago podia ser bem esquentado quando o assunto era Rose, e o tal de Charles não parecia flor que se cheire. Nunca entendemos como Rose se envolveu com ele, certas coisas parecem não ter explicações.