Sem mais demoras, aqui está o final do especial.
Espero que gostem.
Na manhã do dia seguinte, Karasu estava prestes a sair do Hokkyokusei, quando Yamiko se meteu no seu caminho.
“Onde vais?” Perguntou Yamiko com uma expressão séria e de braços cruzados.
“Vou apenas dar uma volta, não demorarei muito.” Respondeu Karasu passando por ela, mas parando ao sentir alguém segurar a sua manga.
“Vais entregar-te para eles soltarem o velho, não é?” Questionou Yamiko com os olhos cobertos pela sombra da franja.
“Não te preocupes.” Falou o samurai com um leve sorriso. “Não tenho intensão de cumprir as exigências deles.”
“Então, porque é que não me deixas ir contigo?” Inquiriu a albina com os olhos a lacrimejar.
“Só serias um estorvo, é melhor se ficares aqui.” Respondeu o moreno soltando-se dela e seguindo o seu caminho.
“Ele é o meu pai! Tenho todo o direito de o querer salvar!” Afirmou Yamiko decidida. “Também irei!”
Ao ouvir tais palavras, o samurai parou por momentos. Depois desembainhou rapidamente a sua espada e passou a lâmina a fiada a poucos centímetros da cabeça de Yamiko, cravando na madeira da parede atrás dela.
“Não me ouviste? Eu disse que serias um estorvo.” Voltou a dizer Karasu, mas desta vez com um olhar intimidante e frio. “O velho não iria querer que arriscasses a tua vida por ele. Prometi que te iria proteger a ti e a este restaurante, mesmo que tenha de te prender a ele. Portanto fica aqui até eu voltar.”
Depois o moreno retirou a espada e embainho-a de novo. Saindo do Hokkyokusei com Yamiko lhe lançando um olhar irritado, enquanto ficava para trás.
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Pós uma longa caminhada, Karasu finalmente chegou ao tempo abandonado de que falava a nota. Frente ao desgastado portão, estavam dois guardas o esperando. Um bem gordo e o outro magro e alto.
“Você deve ser o samurai que o aniki falou.” Percebeu o magro. “Não vejo a garota, nem um saco de dinheiro, então quer dizer que decidiram pagar a dívida com a sua cabeça, certo?”
“Desculpe.” Falou Karasu cortando-o ao meio a uma velocidade que nem deu tempo para os dois reparem nas suas intenções assassinas. “Mas não estou disposto a negociar com sequestradores.”
“Louco!” Disse o gordo começando a suar frio e recuando alguns passos. “Você sabe o que está fazendo? Podia ter decidido morrer de uma forma não dolorosa, mas agora o chefe vai torturar-te por esta afronta.”
Então cerca de 30 homens armados saíram do templo, rodeando o solitário samurai.
“Parece que isto vai demorar.” Suspirou Karasu olhando em seu redor.
Alguns dos homens partiram para o ataque empunhando espadas e lanças, mas não foram um grande desafio para o samurai experiente, que os matou facilmente, mas rapidamente foram seguidos por mais bandidos. O pior era que afinal aqueles bandidos eram apenas uma isca, um 2º grupo aproveitou que Karasu estava ocupado a lutar com eles, para disparar flechas na sua direção.
Percebendo no último momento, Karasu agarrou num dos bandidos com que estava lutando e o usou como escudo para se proteger das flechas. Ao ver a posição dos arqueiros, começou a correr na sua direção, ainda usando o bandido morto e com flechas cravadas pelo corpo como um escudo, enquanto cortava todos no seu caminho. Ao finalmente chegar aos arqueiros, os decapitou rápida e impiedosamente.
Mesmo assim, Karasu não podia relaxar. Um homem, apanhando-o desprevenido, aproveitou para o atacar pelas costas, mas foi nocauteado fortemente por um golpe na cabeça. Quando o samurai se virou para o seu salvador, viu a jovem filha do dono do restaurante, armada apenas com uma concha de sopa.
“O que raio estás a fazer aqui?” Perguntou Karasu surpreendido e irritado. “Eu disse para ficares no Hokkyokusei!”
“Lamento muito, mas não sou o tipo de garota frágil e sensível que fica em casa, esperando que os outros resolvam os seus problemas.” Respondeu Yamiko colocando a concha da sopa por cima do ombro.
“Já te disse que isto é demasiado perigoso para ti! Queres morrer, idiota?” Reclamou o samurai furioso.
“E eu já disse que isso não me interessa! Deixa de me tratar como se fosse fraca, cabelo encaracolado!”
“Não é encaracolado! Simplesmente ando despenteado. Porque é que estamos falando do meu cabelo numa altura destas?”
“Só um idiota é que fica se preocupando com o seu cabelo durante uma luta, realmente és um completo inútil.”
“Tu é que começaste com o assunto, portanto tu é que és idiota!”
“Só os idiotas chamam os outros de idiotas! Idiota!”
“Isso ainda te faz uma idiota, idiota!”
“Tu é que és idiota!” Gritaram os dois em simultâneo com faíscas entre os seus olhares.
“Isto não é lugar para se ter brigas de casais!” Afirmou um dos bandidos aproveitando a discussão deles para os atacar.
“Fica fora disto!” Falaram os dois rodeados por uma aura intimidadora e chutando o bandido em simultâneo com tanta força de um mesmo foi a voar contra uma árvore, deitando-a abaixo.
“Droga, parece que não te vou conseguir convencer mesmo.” Suspirou Karasu colocando-se numa posição de ataque. “Apenas não morras. Se o fizeres, irei até às profundezas do inferno se for preciso, apenas para te socar.”
“Digo-te a mesma coisa.” Disse Yamiko confiante, posicionando-se atrás do samurai, enquanto os inimigos os rodeavam, formando um círculo.
Então os dois partiram para o ataque, um cortava os inimigos com a sua katana, enquanto o outro os nocautiava com uma concha de sopa.
“Ataquem a mulher, se a matarmos podemos desconcentrar o samurai!” Falou um dos bandidos tomando a liderança.
Então, a maioria começou a focar-se em Yamiko.
“Realmente tenho pena de vocês.” Comentou Karasu descontraidamente. “Apenas um retardado atacaria essa mulher.”
Antes que os bandidos podem chegar a ela, vários caíram abatidos por misteriosos projéteis.
“O que está acontecendo?” Indagou um dos bandidos em pânico.
“Não pode ser.” Falou outro bandido olhando bem para os corpos caído. “Ela… Ela está arremessando facas de cozinha.”
“O quê?!” Exclamou o primeiro bandido em choque.
“Não subestimem uma dona de casa.” Falou Yamiko com um sorriso confiante, apoiando a concha da sopa no ombro. “Posso usar qualquer ferramenta doméstica como uma arma, têm sorte por eu não ter trazido uma vassoura comigo.”
“O que fazemos?” Questionou um dos bandidos. “Esta mulher é doída.”
“Não temam, continuem a ataca-los! Eles vão acabar por ceder!” Voltou a tomar a liderança o bandido, encorajando os outros a partirem para o ataque.
Yamiko e Karasu mantinham a vantagem, enquanto a luta se prolongava, mesmo com os bandidos continuando a chamar reforços. Mas ambos sabiam que ainda iria levar muito tempo até conseguirem entrar no templo onde o pai de Yamiko os esperava.
“Ouve, eu vou mante-los ocupados. Enquanto isso, vais entrar no templo e resgatar o velhote.” Sussurrou Karasu.
“Tens a certeza de que dás conta deles sozinho?” Perguntou Yamiko preocupada.
“Até deve ser mais rápido sem estares aqui para me atrapalhar.” Respondeu Karasu sorrindo.”Vai lá, o papai te está esperando.”
“Tenta não ser inútil ao ponto de morrer num lugar destes.” Falou Yamiko com um sorriso semelhante.
Então os dois começaram a abrir caminho por entre os inimigos, até chegarem ao velho portão do templo abandonado. Onde Yamiko entrou e Karasu ficou para trás, para impedir os bandidos de entrarem.
“Então, quem é que se vai atrever a tentar passar pelo cão de guarda do Hokkyokusei?” Questionou Karasu com a katana apoiada no ombro e com um sorriso sádico, enquanto era rodeado por inimigos.
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“Pai! Pai, onde estás?” Gritava Yamiko enquanto procurava por seu pai naquele grande templo, que parecia estar demasiado calmo e vazio.
A albina foi abrindo portas atrás de portas, até que finalmente chegou a uma espécie de dojo dentro do templo, onde no meio deste se encontrava o dono do Hokkyokusei amarrado.
“Pai!” Gritou a filha correndo e abraçando-o.
“Yamiko? O que fazes aqui?” Perguntou o velho surpreso.
“Eu e o Karasu viemos-te salvar. Não te preocupes, vamos tirar-te já daqui.” Respondeu ela não conseguindo conter as lágrimas de felicidade.
“Não! Não te preocupes por mim, Yamiko! Foge, foge o mais rápido que poderes deste sítio!” Pediu o pai em pânico.
“O que está a dizer? Não há razões para te preocupares.” Falou Yamiko tentando soltar seu pai, foi aí que reparou que no fundo do dojo estava um cadáver de um homem corpulento. Notou rapidamente no rosto familiar do homem, era o chefe dos bandidos que jazia morto com um ferimento de espada. “O… O que isto significa?”
“Foge, Yamiko!” Pediu mais uma vez o preocupado pai.
Enquanto Yamiko tentava entender a situação, a silhueta de um homem carregando uma espada surgiu das sombras. A katana estava prestes a cortar a cabeça da albina, quando o seu pai a empurrou e sofreu um profundo corte no peito, cortando também as cordas.
“PAI!” Gritou ela em pânico ao ver o seu progenitor deitado sobre uma poça do seu próprio sangue.
“Ele tem bons reflexos para a idade, já faz tempo desde a última vez que alguém conseguiu antecipar um golpe meu.” Comentou o misterioso homem que trajava um kimono verde-escuro com uma serpente dourada bordada e que trazia duas espadas presas à cintura. Os seus olhos eram verdes e frios e os seus cabelos negros estavam presos por um rabo-de-cavalo.
“Maldito! Porque fizeste isso?” Gritou Yamiko furiosa e com os olhos cobertos de lágrimas, ajoelhada ao lado de seu pai.
“Ele já deve estar acabando com o resto do lixo lá fora.” Murmurou o homem ignorando por completo Yamiko, na verdade a sua expressão era como se ignorasse tudo à sua volta, sem demonstrar qualquer emoção.
“Yamiko… Ele não é alguém com quem te devas meter. Ele… é um samurai demasiado perigoso.” Avisou o velho com imenso esforço.
“Pai!” Falou Yamiko percebendo que seu pai ainda estava vivo.
Apoiou o fraco e debilitado corpo do idoso dono do restaurante nos seus braços e assim que o fez, viu o quão profundo era o seu ferimento. Mesmo que estivesse vivo agora, não demoraria muito para a vida do mesmo desvanecer.
“Não precisas chorar, Yamiko.” Falou ele com uma voz fraca, mas cálida e com um sorriso gentil no rosto, enquanto segurava a mão da sua única filha. “Eu tive uma vida feliz ao lado de ti e da tua mãe, não tenho nenhum arrependimento. Pude proteger os meus dois maiores tesouros deixados para trás depois da morte da minha esposa e isso me deixa extremamente feliz. Portanto não fiques triste, filha. E vive também uma bela vida ao lado de alguém especial, essa é a melhor forma de viver.”
Então, ainda com um sorriso no rosto, o velho dono do humilde restaurante Hokkyokusei perdeu as suas últimas forças. Yamiko, derramando umas lágrimas solitárias, aproximou a mão do seu agora falecido pai ao seu rosto numa despedida silenciosa.
“Não percebo a necessidade de alguém falar coisas tão inúteis antes de morrer. Isso é simplesmente desperdiçar o tempo de vida que ainda tinha.” Comentou o samurai com uma expressão fria como o gelo. “Ele está chegando.”
De repente, o corpo do último bandido quebrou a parede do dojo, abrindo passagem para Karasu, que estava com a espada e as roupas cobertas de sangue e os olhos ocultos pela sombra da franja.
“Sim! Sim! Sabia que só podias ser tu!” Falou o samurai do kimono verde ficando de repente animado. “Finalmente te voltei a encontrar, Karasu-kun!”
Karasu, sem dizer uma única palavra, olhou em volta e viu a entristecida Yamiko ao lado do cadáver do seu pai.
“Hebizakumaru, foste tu que fizeste isto?” Perguntou calmamente o samurai vestido de vermelho com os olhos ainda cobertos pela sombra da franja.
“Sim, fui eu que matei aquele velho irritante.” Respondeu Hebizakumaru sorrindo. “E já disse que podes chamar-me simplesmente Hebi.”
Assim que Hebi terminou a sua frase, Karasu já estava a ataca-lo, com um olhar gélido e intimidador como o de uma besta selvagem e sanguinária, com um ataque igualmente selvagem. Que Hebizakumaru conseguiu bloquear por pouco com a sua espada.
“Magnífico. Era esse o olhar que queria ver.” Falou ele com uma expressão maníaca de prazer. “O olhar do homem que já foi considerado um mau presságio. O temível Corvo da Ruína que traiu o shogunato, Sakata Karasu! Há muito tempo que queria voltar a lutar contigo, companheiro.”
“Não me lembro de alguma vez ter sido companheiro de um cara como tu!” Respondeu Karasu furioso quebrando a espada do seu adversário e fazendo-lhe um pequeno corte na face. “Um dos motivos de eu ter abandonado o exército privado do Shogun foi o facto de o mesmo estar cheio de miseráveis como tu.”
“Não sejas tão cruel, Karasu-kun.” Disse Hebizakumaru desembainhando a sua outra espada e lambendo a lâmina. “Eu até matei o chefe do bandidos que estava planeando entregar-te ao Shogun. Sou um bom amigo, não sou? Portanto vamos continuar a nossa batalha até à morte!”
Hebi começou então a atacar Karasu com movimentos rápidos e imprevisíveis. Porém, o moreno de olhos rubros parecia já conhecer o estilo do seu adversário e soube contra-atacar com precisão. Os dois aparentavam estar a altura um do outro, era difícil para ambos conseguir causar um ferimento no outro. De facto, os dois permaneciam ilesos.
Começava a notar-se o cansaço que Karasu tinha adquirido pós lutar contra todos aqueles bandidos. Cansaço esse, que o fez cometer um deslize, que foi bem aproveitado pelo seu inimigo, que lhe cravou a lâmina da sua espada no ombro esquerdo, fazendo o samurai de olhos vermelhos cerrar os dentes com a dor.
“Karasu!” Gritou Yamiko em pânico, não iria suportar além de perder o próprio pai, também perder Karasu naquele dia.
“Estás mais fraco do que da última vez que nos vimos.” Comentou Hebizakumaru desiludido. “Será por causa daquela mulher de cabelo prateado? Talvez eu a devesse matar para deixares de teres distrações.”
Mas quando Hebi estava prestes a tirar a sua espada do ombro de Karasu para atacar Yamiko, a katana não se moveu. Fui aí que o samurai de olhos verdes percebeu que Karasu estava segurando a lâmina dele com tanta força que fios de sangue escorriam pelo seu braço esquerdo, fazendo com que a espada continua-se presa ao seu ombro.
“Te peguei.” Falou Karasu esboçando um sorriso.
“Eh?” Indagou Hebi inclinando levemente a cabeça confuso.
Então, usando todas as suas forças no braço direito, Karasu cravou a sua espada no estômago de seu adversário e começou a correr em frente, levando-o consigo e o fazendo embater contra um dos pilares do dojo, quebrando o mesmo.
Depois, exausto, Karasu cambaleou um pouco para trás e sentou-se no chão, retirando a espada de Hebizakumaru com cuidado do seu ombro.
“Idiota, já te disse para não me deixares preocupada.” Reclamou Yamiko rasgando a manga do seu kimono para poder aplicar os primeiros socorros no seu ferido protetor.
“Eu não me meto neste tipo de situação porque quero.” Respondeu Karasu encarando o pilar quebrado, reparando que Hebizakumaru desaparecera sem deixar rasto. “Então, ele fugiu.”
“Não te preocupes com isso agora.” Falou ela terminando os curativos improvisados no samurai e ajudando-o a levantar-se. “Neste momento precisamos focar-nos nos teus ferimentos.”
E assim, os dois saíram daquele templo abandonado, com Yamiko servindo de apoio para Karasu andar.
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Alguns dias depois, numa tarde chuvosa, Karasu encontrava agachado frente ao túmulo do velho e da sua esposa, onde encheu um copo com sakê como oferenda e bebeu de outro.
“Velhote, mais uma vez peço desculpa por não o ter conseguido proteger.” Desculpou-se Karasu juntando as mãos. “Mas vim cá hoje para fazer um novo trato consigo. Desta vez prometo que além de cuidar da sua filha e do seu restaurante, o tornarei no melhor de todas as redondezas, onde todos puderam apreciar um dos seus maiores tesouros e também prometo não permitir que o outro tesouro volte a sentir uma tristeza destas. Pois… Mesmo eu não querendo admitir na frente dela, o seu sorriso brilha mais do que qualquer tesouro, apesar de ela ser muito teimosa, mandona e por vezes assustadora. Deixe tudo nas minhas mãos e descanse em paz juntamente com a sua esposa, obrigado por tudo.”
“Está na hora de voltarmos.” Falou Yamiko acabando de chegar com um guarda-chuva e com um olhar entristecido.
“Então vamos.” Falou Karasu levantando-se e ficando de frente para a albina, que não suportando mais, largou o guarda-chuva e aferrou-se ao peito do samurai onde começou a soluçar. “Yamiko…”
“Não estou chorando!” Afirmou ela com voz firme, escondendo seu rosto e começando a soluçar ainda mais. “São… São apenas as gotas de chuva!”
Karasu ficou em silêncio e abraço-a com força, aconchegando-a.
“Sim, são apenas as gotas de chuva.” Murmurou ele com um pequeno sorriso e uma lágrima escorrendo-lhe pela face.
E assim os dois ficaram, abraçados, naquela tarde chuvosa, onde não eram apenas as gotas de chuva que caiam.