Xará

  • Finalizada
  • Aanonimaa
  • Capitulos 1
  • Gêneros Amizade

Tempo estimado de leitura: 12 minutos

    16
    Capítulos:

    Capítulo 1

    nomes iguais, personalidades diferentes

    Heterossexualidade

    Xará

    nomes iguais, personalidades diferentes

    – por Abel Araghon

          — Shintarou-kun! — gritou uma voz feminina no fundo da sala, fazendo o rapaz sentado na primeira carteira estremecer.

    Sua cabeça virou-se lentamente. As mãos de pele morena se enroscaram uma na outra, suadas, demonstrando o enorme nervosismo dele. Os olhos ambares e pequenos estavam muito abertos. O movimento rígido de seu corpo era, no mínimo, estranho.

    Ao terminar de virar-se, encontrou a dona do grito debruçada sobre a carteira de um aluno do fundo, sorrindo e falando. Suspirou aliviado. Talvez tivesse escutado mal.

    Já estava virando-se para frente novamente, mas seus olhos encontraram dois muito azuis, encarando-o de modo intrigado. O rosto moreno ficou muito vermelho, e Shintarou virou-se rapidamente, os olhos presos nas mãos agitadas.

    Era possível ver a fumaça saindo do rosto avermelhado. Ele mordia os lábios, balançando as pernas e deslizando os olhos pelo chão, carteira e mãos, inquieto.

    Estava ciente do par de olhos azuis sobre si.

    Mas foi incapaz de ver o sorriso divertido nos lábios travessos.

    Ele caminhava a passos largos e calculados, as mãos unidas na parte de trás do corpo, nos lábios um sorriso divertido e, na mente, uma única pessoa. Seu caminho já estava traçado.

    Quando terminou de subir as escadas, e passou pela porta de ferro, fechou-a, querendo privacidade. Avistou seu alvo sem demora, sentado sobre o muro do terraço do prédio, devorando com gosto um pão doce.

    Silencioso, e segurando o riso, andou até ele. Aproximou o rosto da nuca dele e, pronto para ampará-lo, assoprou em sua nuca.

    O pulo que o outro rapaz deu foi alto e, segurando-o pelos ombros, evitou que ele fosse parar cinco andares abaixo.

          — Ka-ka-ka-kami-sama — sussurrou o rapaz, a respiração afoita, as mãos no muro.

    Riu, mantendo suas mãos nos ombros dele. Era mais baixo que ele e, imaginava, mais fraco, mas conseguiu evitar que ele se suicidasse.

          — Desculpe-me, eu não resisti. — disse, sorrindo ao ver os olhos dele fitarem-no incertos antes de se voltarem para o chão. Soltou-o, colocando as mãos nos bolsos. — Fiquei curioso quando o vi hoje na sala, agindo de modo suspeito e corando ao fitar-me. Eu sou Kochiwara Shintarou, seu xará, Takanui Shintarou-san.

    A voz do rapaz era divertida e quase feminina; muito doce, muito fina. Mas não havia nada de feminino nele. Era um pouco magro e um pouco baixo comparado ao outro, mas podia ver, sob a camisa social justa, que era parte do uniforme do colégio, músculos definidos.

          — A-agindo de modo suspeito? — indagou de olhos arregalados, o outro riu ao notar que ele só ouvira aquilo.

          — Você virou lentamente, como se temesse algo. Aliás, como é que eu nunca o vi na sala? Disseram que você sempre esteve ali. Eu nem sabia que tinha alguém com o mesmo nome que eu na nossa sala! — o Kochiwara tagarelava para si mesmo.

          — E-eu gosto de ser discreto.

          — Você é tímido, né? — O rosto do garoto loiro ficou vermelho, fazendo-o rir. — Você é bem transparente.

    Na verdade, Shintarou se perguntava como é que nunca havia notado aquele rapaz. Ele tinha uma ótima aparência. Seus cabelos eram loiros e um pouco longos, chegando à nuca; os olhos, de uma cor incomum de castanho claro, pareciam brilhar como ouro derretido, ambos, cabelo e olho, fazendo um contrate fatal com a pele levemente morena.

    Ele era forte, alto, e vestia o uniforme completo do colégio, mesmo naquele clima quente.

    Shintarou achava-o engraçado e excêntrico.

          — Eu vou deixar você almoçar em paz. Só queria me apresentar formalmente. — Ao falar isso estendeu uma de suas mãos, vendo o outro hesitar bastante antes de envolver a mão estendia na sua, em um aperto firme, mas gentil. — Kochiwara Shintarou ao seu dispor.

          — E-eu sou Takanui Shintarou — apresentou-se o loiro com voz suave.

          — Eu sei, Shin-chan — disse e riu, virando-se e marchando de volta para dentro do prédio.

    Shintarou, ainda surpreso, fitou sua mão que havia sido apertada levemente, sentindo a quentura que a envolvera; suspirou, achando tudo aquilo muito complicado.

    Esperava e sabia que o outro não voltaria a falar consigo.

    Engano seu. No primeiro trabalho em dupla anunciado por um professor, Kochiwara já estava sentado ao seu lado, sorrindo para o sensei, que o fitou surpreso.

          — Fará o trabalho com quem, Kochiwara-kun? — indagou o homem baixo e calvo, anotando algo em seu caderno.

          — Com o Shin-chan, digo, com o Shintarou — respondeu.

    As sobrancelhas grossas se arquearam em surpresa, e a surpresa não foi só da parte dele.

          — É? Shintarou-kun, você não fará o trabalho comigo? — A mesma garota da outra vez, de longos cabelos loiros e pele branca, debruçou-se na carteira de dupla, olhando desafiadoramente para o moreno.

          — Não, Ami, farei com Shin — respondeu o Kochiwara, cruzando os braços sobre o peito e encarando a menina com frieza.

          — Mas eu sou sua namorada! — gritou indignada. — E desde quando você conversa com ele? — perguntou, apontando com repulsa para o rapaz ao seu lado.

    Os olhos azuis voaram em direção ao Takanui, vendo as orelhas dele ficarem vermelhas e os olhos ambares se encherem de lágrimas, que foram escondidas em um virar de rosto. Uma fúria incontrolável tomou o corpo magro, fazendo Shintarou levantar-se em um ato, pegando a garota pelo braço e arrastando-a para fora da sala.

          — Kochiwara-kun! Iwara-san! — chamou o professor.

          — Cinco minutos, sensei, cinco minutos! — retorquiu Shintarou, já fechando a porta de correr.

    Ami arfava pela pequena corrida. Os seios subindo e descendo rapidamente, as bochechas coradas e os lábios cheios e pintados de rosa separados. Ela seria a tentação encarnada para qualquer jovem rapaz que estivesse ali com ela, mas Shintarou estava muito furioso para sentir atração por sua bela namorada.

          — O que está fazendo? — perguntou ela quando recuperou o fôlego.

          — Como ousa falar daquele modo de Shintarou? — exaltou-se ele, avançando na direção dela e encurralando-a contra parede. Quem olhasse pensaria que os dois estavam namorando.

          — Por que está defendendo ele?

          — Porque gosto dele e não gostei do seu tom — respondeu laconicamente.

          — E desde quando? Até ontem ele nem exista para você!

          — Estou avisando. — ele disse, ignorando a acusação de Ami. — Fale dele daquele modo novamente e eu juro que providenciarei para que o seu lindo cabelo seja cortado — ameaçou, vendo-a arregalar os olhos.

    Afastando-se dela, Shintarou passou a mão pelos cabelos negros, procurando paciência ao inspirar profundamente. Tateou os bolsos à procura de um cigarro, mas nada encontrando. Deu de ombros, virando-se para a porta e abrindo-a. Antes de entrar comentou:

          — Aliás, vamos terminar. Não quero um relacionamento com uma garota insensível como você.

    Ami ficou lá, imóvel e surpresa. Eles namoravam há meses, mas, por causa de um comentário qualquer ele terminaria com ela? Bufou, recompondo-se e entrando na sala.

          — Se já terminaram, sentem-se. A aula já começou — disse o professor de costas para eles, escrevendo algo na lousa.

    Ami caminhou até seu lugar no fundo da sala e Shintarou foi para primeira carteira, ao lado do rapaz loiro, que copiava em seu caderno o que o professor escrevia na lousa. Esticou as pernas, cruzou os braços e fechou os olhos, procurando acalmar aquela sensação forte e o impulso louco de matar a primeira pessoa que lhe dirigisse a palavra.

          — Ko-Kochiwara-san, obrigado por me defender — ouviu o sussurro do rapaz a seu lado e sorriu, imaginando como não devia estar vermelho o rosto dele.

          — Shin-chan!

    Shintarou sorriu tímido, bufando e segurando a alça da mochila com mais firmeza, enquanto um braço fino passava por seu ombro e o Kochiwara sorria animado.

          — Sim?

          — Vamos assistir ao jogo de basquete do time da escola! — disse, como se fosse o líder entre eles, e arrastou o rapaz em direção às quadras esportivas.

          — M-mas eu estava indo para a biblioteca ler um livro! — resmungou baixinho, deixando-se ser guiado.

          — Não resmungue, rapazinho. Pode ler enquanto eu assisto ao jogo — decretou Shintarou, não se importando com a expressão de desgosto dele.

    E lá estavam eles, dois seres quase opostos, caminhando em direção aos fundos do colégio. O Shintarou loiro com uma mochila nas costas e um livro em mãos, enquanto o moreno carregava um maço de cigarros no bolso e fones de ouvidos nas orelhas.

    Os poucos alunos nos corredores por onde passavam ignoraram-nos. Mesmo que o Kochiwara fosse um dos garotos mais populares de lá, o fato de andar com o Takanui Shintarou, o aluno apagado, já era corriqueiro de se ver por ali àquela altura.

    Isso porque há dias que todos viam os dois juntos. Para onde quer que fossem um sempre acompanhava o outro. As más-línguas diziam que o Takanui estava se aproveitando da fama do outro, que era conhecido por ser filho de um empresário conhecido na cidade. Mal sabiam eles que a situação era completamente inversa.

    Desde que o conhecera, Kochiwara Shintarou não sossegou de perseguir o rapaz loiro.

    No colégio, ia onde ele ia, ou o arrastava para onde fosse. Frequentava o café onde o rapaz trabalhava como ajudante de cozinheiro e caixa em um trabalho de meio período.

    Shintarou chegou a conhecer os dois irmãos do outro, um menino loiro de doze anos e uma menininha de lindos olhos ambares de seis.

          — Parece que não haverá treino hoje — disse o loiro, tirando Shintarou de seu transe.

    Fitando a quadra diante de si, viu com tristeza que não havia ninguém por lá. Suspirou, caminhando até a fileira mais alta da arquibancada e se sentando, vasculhando seus bolsos enquanto o loiro o seguia e se sentava a seu lado.

          — Eu não estava sabendo — disse mais para si mesmo do que para o outro.

          — Mas você não é do time de basquete? — indagou o Takanui, colocando sua mochila no chão, entre suas pernas.

          — Eu saí. — Acendeu um cigarro, tragando profundamente e assoprando a fumaça para o outro lado. — Disseram que eu sou muito fraco para continuar no time.

    Shintarou calou-se, ouvindo com atenção as palavras do moreno. Ainda não acreditava que aquele rapaz a seu lado queria mesmo ser seu amigo. Quer dizer, há anos não tinha amigos. Ninguém tinha interesse em alguém que falava pouco e interagia menos ainda. Fora uma surpresa descobrir que, por causa de si, Shintarou havia terminado seu namoro de quase um ano com Ami, uma garota linda e popular.

          — O que está pensando? — A voz suave e divertida soou muito perto de seu ouvido, arrepiando-o. — Meu Deus, você se arrepiou! — Shintarou gargalhou, deixando que sua voz melodiosa dançasse no espaço fechado.

          — P-por que você se aproximou de mim? — Shintarou havia reunido toda a sua coragem para perguntar.

          — Por quê? Porque você é sensível e quentinho — comentou ele, agarrando o braço forte e rindo, grudando os corpos no limite das cadeiras.

          — Não foi isso que eu quis dizer!

          — Então o que você quis dizer? — Shintarou assumiu um tom sério, mas o sorriso divertido não saiu de seus lábios.

          — Por que está fazendo isso? Sendo meu amigo. Me seguindo onde eu vou. Eu... Eu... — Lágrimas se formaram nos olho dele, deixando Shintarou exasperado.

          — Você está chorando! Não chore! O que foi que eu fiz? — Os olhos azuis dele estavam repletos de preocupação.

    Virando o rosto másculo para si, Shintarou secou as lágrimas do rapaz loiro, uma a uma, sorrindo quando uma nova escorria dos olhos ao queixo dele. O corpo forte chacoalhava e soluços baixos fugiam dos lábios finos. Ele era bonito. Um protótipo de homem perfeito. Não entendia como a meninas não o enxergavam.

    Ora, elas não diziam gostarem dos sensíveis? Aqueles cabelos loiros e finos e olhos castanho-claro não haviam atraído a atenção delas? Shintarou pensou em como elas eram tolas.

          — Eu... nunca tive um amigo — sussurrou Shintarou, fazendo o moreno rir.

          — Eu sou seu amigo agora, então pare de chorar — pediu, assentindo para demonstrar sua satisfação ao ver o pequeno sorriso que surgiu nos lábios dele.

          — De verdade?

          — Sim, de verdade — confirmou, puxando-o para si e abraçando-o, encostando sua cabeça no ombro largo e encarando o teto por longos minutos, pensando que ele era seu único amigo de verdade também.

    As pessoas se aproximavam dele por interesse. Era como se seus sentimentos não importassem. Sentiu um nó na garganta, mas engoliu-o rapidamente. Shintarou livrou-se do abraço, sorrindo tímido e pegando sua mochila enquanto se levantava.

          — O que foi?

          — Se não haverá treino, não tem porquê ficarmos aqui — disse lacônico.

          — E para onde vamos? — perguntou interessado, levantando-se também e resgatando seu cigarro, que havia deixado no braço da cadeira.

          — Eu vou para a biblioteca — comentou, já descendo a escada.

          — Então eu vou também!

          — Você não pode fumar na biblioteca — murmurou Shintarou enquanto jogava sua mochila no ombro.

          — Não fumarei! — concordou o moreno, jogando o cigarro no chão e pisando nele.

          — Da última vez que fomos à biblioteca você dormiu na cadeira — observou o loiro, diminuindo os passos até ter o outro ao seu lado.

          — Foi bem desconfortável, preferia deitar a cabeça no seu colo.

    Shintarou corou, desviando os olhos para o lado e coçando a bochecha. O outro riu, riu muito, sentindo sua barriga doer e engasgando. O loiro, preocupado, deu-lhe um tapa nas costas, que fê-lo gemer.

          — Ai, não precisa bater tão forte!

    O Takanui riu suavemente, deixando o moreno fascinado. Toda vez que ele ria era como leves trovões, sua voz era rouca e baixa, e seu riso era como o som das águas correntes. Não tardou em os dois estarem rindo um do outro.

          — T-Tem um banco nos fundos da biblioteca onde dá para você deitar e colocar a cabeça no meu colo — sussurrou Shintarou, com o rosto virado para o outro lado, mas o Kochiwara viu as orelhas dele vermelhas, sinal de sua vergonha.

    Sorrindo, foi incapaz de ignorar o sentimento quente que preenchia seu coração. Era uma sensação doce e reconfortante e Shintarou não tinha palavras para descrevê-la.

    Era como se sentisse, pela primeira vez na vida, que estava completo. Como se finalmente tivesse encontrado algo em que valia a pena insistir e investir suas forças. Nunca ninguém havia se preocupado por ele ter engasgado. Nunca havia levado um tapa amigável nas costas. E nem havia sido aconchegado a um ombro largo e confortável quando cochilara em uma biblioteca.

    Aquilo era ter um amigo?

    Se for, então devia ter seu caminho cruzado com o de Shintarou Takanui muito antes.


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