Always - Snape e Lílian

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    Capítulos:

    Capítulo 1

    Capítulo Único - Espelho de Ojesed

    Os olhos dele se fixaram na superfície polida e lustrosa do objeto parado á sua frente. Passaram de cima para baixo, buscando pela única coisa que lhe dava uma fagulha de esperança.

    Nem sequer piscava, desejando com os retalhos de seu coração. Os minutos se arrastaram como as pulsações do sangue em suas veias. Sua respiração densa e congelada borrando o vidro.

    Cerrou as pálpebras, a escuridão o invadindo e o envolvendo como um manto denso. Começou a contar seus batimentos. Um, dois, três... Perdeu-se naquele estado de tu por.

    - Por favor. Por favor... - Murmurava com a voz baixa. Era como se estivesse rezando fervorosamente. Repetia o apelo com afinco e sem parar.

    Fechou os lábios em uma linha fina, apertada. A apreensão se instalou como um velho conhecido em seu âmago. A tristeza ameaçando a tomar posse. Cerrou os punhos com força, trincando o maxilar, raspando os dentes. Suas costas se enrijeceram. Queria desistir. Era besteira!

    Era apenas mais um espelho. Dumbledore se enganara. Aquilo não iria mostrar o que mais desejava. Sentiu a frustração romper em ondas borbulhantes por todo seu sangue. Abriu os olhos e encarou ao reflexo.

    Tudo o que notou foi um homem demasiado pálido, desprovido de emoções. Um véu de cabelos negros e oleosos caindo-lhe sobre os ombros e um nariz um tanto proeminente.  A boca sempre retraída. O olhar caído, inóspito e frio. Sempre distante e rude. Era daquele jeito que Severo Snape vivia desde que Lílian se fora.

    Tinha de sofrer calado, fazendo-se de forte. Mas era o preço por ter sido deveras orgulhoso. Se não tivesse dito aquelas palavras á Lílian, poderia ter ficado junto dela. Ela ainda estaria viva. Estaria com ele.

    Snape quis tanto lhe pedir desculpas. Quis tanto implorar pelo perdão dela, mas toda vez que tentava acabava voltando atrás. Sua vida sempre retornava á mesma pergunta : E se eu tivesse feito tudo diferente ? E se eu não tivesse virado um Comensal da Morte ? . Eram tantos " se " .

    E tudo por culpa de Thiago Potter e seus amiguinhos. Lupin, Sirius e Pedro. O " quarteto-fantástico " da escola. Aqueles quatro viviam quebrando as regras e não pareciam se importar em ser displicentes. Eram populares e por conta disso, achavam-se os melhores em praticamente tudo! Sempre que tinham chance, humilhavam Snape na frente de todos. Davam-lhe apelidos como " seboso " . Derrubavam seus livros no chão de modo proposital.

    E ninguém parecia se importar com o que Thiago e sua turma fazia. Os outros apoiavam aos quatro.

    Só Lílian parecia compreender Snape. Só ela o protegia dos ataques. Mas um dia tudo mudou. Uma peça pregada por Potter e seu mundo virou de cabeça para baixo. Ainda se lembrava com muita clareza, de quanto Thiago chegou com Lupin, Pedro e Sirius.

    Severo devia ter ido embora, devia ter escapado o quanto antes. Mas ele não conseguiu. Ia ser taxado de fracassado e covarde. Tentou enfrentá-los. Mas eram quatro contra um. O resultado foi totalmente desastroso, é óbvio!

    Quando deu por si, Snape estava pendurado de cabeça para baixo, levitando como um saco de batatas flácido e sem chances de se defender. Suas calças foram arriadas, expondo-lhe mais do que deveria. As risadas ecoaram por seus tímpanos.  Diversos alunos se acumularam em volta dele, apontando em sua direção como se ele fosse uma espécie rara exposta em um zoológico. Aqueles dedos nodosos, os olhos maliciosos.

    E depois daquele incidente, algo terminantemente pior ocorreu. Lílian viu tudo e tentou o defender. Ah, Snape foi tolo o suficiente para se sentir um verdadeiro lixo e humilhá-la. Antes que pudesse deter á si mesmo, a pior ofensa entre os bruxos escapou por sua língua: “sangue-ruim”. Chamou a sua Lílian de algo terrível. Ela nunca o perdoou por aquilo. Nunca!

    Lílian passou a evitá-lo e aquilo levou Snape á um estado de total loucura. E para piorar – se é que aquilo fosse possível – parecia que Thiago o desafiava cada dia mais. Severo tinha a impressão de que Potter fazia de tudo para excluí-lo totalmente.

    E para o desespero maior de Snape, Dumbledore confiava naquele insolente. Sim, o diretor nunca levantou um dedo sequer contra Potter. Nunca desconfiava daquele garoto esquálido e de cabelos bagunçados.

    Severo Snape queria flagrar Thiago em algo extremamente imprudente e entregá-lo ao Alvo Dumbledore. Delatar algo que fizesse o diretor expulsar Potter de Hogwarts. Ver aquele homem partindo dali.  Aguardava com as mãos coçando e com um sorriso lunático por sua oportunidade. Durante dias acordava durante a madrugada para ver se encontrava Thiago aprontando junto de seus amigos.

    O dia demorou á chegar, mas quando ele veio por fim, foi um verdadeiro prêmio nas mãos de Snape. Ah, aquela lembrança. Era doce e suave como a música produzida por um piano. Severo adorava revivê-la. Isto é, até certo pedaço. Ele sabia que Thiago havia guardado um segredo sombrio de todos.

    Um de seus mais preciosos companheiros era nada mais e nada menos do que um lobisomem. Remo John Lupin virava uma besta durante os períodos de Lua Cheia. E para completar, Pedro e Sirius eram animagos ocultos.

    Quando Snape botou os olhos naquele lobo imenso e feroz e em um ratinho acompanhado por um cachorro, teve um imenso êxtase. Foi como se Lílian tivesse voltado á falar com ele.

    Deixou tudo fluir para frente de suas pálpebras como um pedaço cortado de um filme demasiado antigo. Reviveu o momento em que estava andando sozinho por uma Hogwarts já deserta e muito mal iluminada e notou que Thiago ia á algum lugar.

    Potter havia sido descuidado e deixou que Severo o visse junto de Pedro e Sirius. Os três pareciam com muita pressa e corriam pelas intermináveis escadarias de mármore, sem fôlego e rubros. O suor deles empapava suas cabeças e cabelos.

    Severo decidiu segui-los com cautela. Acompanhou-os para fora da Escola de Magia e Bruxaria.  E os amigos iam avançando cada vez mais, levando Severo até perto do Salgueiro Lutador.

    No começo, ele nada compreendeu. Ocultou-se em algumas árvores, espiando por cima da cabeleira oleosa. Prendeu o fôlego e quando a verdade se mostrou, não conseguiu conter uma exclamação de surpresa, o que fez com que Thiago o notasse.

    Eles se encararam. Um fogo sublime queimava nos olhos de Severo Snape ao passo em que Thiago Potter empalideceu e o olhou com genuíno desespero. Foi um belo prêmio. Snape não perdeu tempo e retornou até Hogwarts. E a primeira providência tomada pelo garoto, foi procurar Alvo Dumbledore. Falou detalhe por detalhe com uma alegria contida.

    E para sua total infelicidade, Dumbledore não acreditou nele. Disse que deveria estar com sono e vendo coisas. Aquilo foi o suficiente para o ódio inflamar ainda mais Severo. Por que ninguém acreditava nele ?

    Pare...pare de se lamuriar. Você que fez sua vida. Repreendeu á si mesmo, virando ás costas ao espelho de Ojesed. A capa negra esvoaçando á suas costas como imensas asas de morcego. Com passos decididos marchou para a porta da sala, mas algo o impediu de prosseguir.

    Severo Snape sentiu um cheiro já muito familiar. Aspirou o ar lentamente, sentindo-se envolvido pelo cheiro da loção que Lílian utilizava em seu cabelo. O cheiro do perfume dela e de livros da biblioteca de Hogwarts. Ficou congelado no lugar, como se correntes prendessem seus tornozelos. Aquilo era impossível! Com o coração martelando furiosamente contra suas costelas, virou-se para o espelho mágico.

    Arfou com a imensa surpresa. Seus joelhos começaram á tremer tal qual uma gelatina. Com passos hesitantes, caminhou-se para o centro da sala. Aquele rosto pairava no espelho com um sorriso um tanto melancólico.

    Ela estava do mesmo jeito de que Snape se lembrava. Os traços de fogo de seus cabelos ainda pairavam sobre a neve se da pele, caindo-lhe por sobre os ombros miúdos. Os olhos ainda tinham aquele nuance misterioso de verde brilhante e amendoados. Ela estava estonteante como nunca. Um vestido de seda lhe caia por sobre o corpo miúdo e delgado, destacando suas curvas entalhadas e formas suaves, deixando seus braços expostos bem como o pescoço de brancura de lírio.

    - Lílian? – A voz de Severo Snape saiu trêmula, carregada de algo indecifrável. Seria tristeza ou amor? Ou quem sabe os dois misturados com esperança? Ele não sabia dizer.

    A figura da mulher amada sorriu, exibindo faiscantes dentes brancos e alinhados. Covinhas marcando suas bochechas. Ela lembrava uma Deusa. Um intenso Halo prateado a envolvia como asas de um Anjo.

    - Ah, Lílian! – O lamurio de Severo era de partir o coração de qualquer pessoa.

    Ele correu ao encontro do espelho, tocando-lhe de forma suave.  Lílian estendeu suas delicadas mãos e as colocou na mesma altura das de Severo Snape. Ele podia sentir seu toque metafísico. Era quente, suave como seda e leve.

    Os joelhos dele dobraram ao meio, o chão o puxou para baixo, fazendo-o cair com a testa colada reste ao vidro do espelho de Ojesed. Snape já não se agüentava mais. Não podia mais guardar o que sentia.

    Pela primeira vez em muitos e muitos anos ele sentiu lágrimas frescas e salgadas lhe banharem as faces. E então, aquela dor sufocante irrompeu em soluços altos e cortantes.

    - Lílian, eu sinto muito. Sinto muito por tudo. Perdoe-me. Por favor, me perdoe por tudo que te fiz, sei que agi errado.  Você nunca teve culpa de nada. – Mais uma série de soluços. - Deveria ter chego antes, devia ter te salvo. Deveria, deveria, deveria! Eu te amo Lílian.

    A confissão saiu como um rojão: alto, estrondoso e de repente. O orgulho foi deixado de lado. As mágoas abandonadas bem como o peso que parecia carregar em suas costas.

    - Eu te amo ainda. Sei que não pode voltar, mas quero que saiba que sempre vou me lembrar de você.

    Ele ergueu a cabeça, Lílian havia se agachado e chorava. Lágrimas cinza escorriam pela face dela e caíam no vazio, subindo como enormes bolhas de sabão. Parecia que o seu fantasma podia entender perfeitamente o que Severo dizia.

    Snape queria atravessar o espelho e ficar junto dela. Contornou o rosto dela e corajosamente, beijou o vidro frio. Os lábios úmidos de choro e quentes nos lábios irreais de vidro de Lílian.

    - Quero que não se esqueça de mim. – Implorou á Lílian.

    Ela balançou a cabeça em afirmativa. O coração de Snape parecia estar se refazendo, mas ainda havia algo faltando. Snape suspirou não acreditando no que iria fazer. Mas mesmo assim prosseguiu.

    E ele veio ao encontro dele e de Lílian, que se ergueu e deu a mão á Thiago, sorrindo de orelha á orelha. Severo viu seus cabelos desgrenhados e enegrecidos. Os óculos enormes e arredondados. E aqueles olhos esverdeados. Thiago Potter lembrava tanto seu filho Harry Potter que Severo se sentiu entorpecido.

    Thiago continuava com seu semblante de alguém travesso, um sorriso desafiador e ar despreocupado. Mas ele não era mais o mesmo e Snape podia sentir. Com dignidade, ergueu-se do solo e olhou profundamente para o homem que odiara por tantos anos.

    Severo Snape notou que estava mais do que pronto para começar uma nova vida. Precisava se libertar daqueles fantasmas que o assombravam. Relaxou os ombros e deixou que tudo saísse de modo natural :

    - Thiago... – Aquele nome tinha um sabor diferente agora em sua língua. Não mais amargo. – Por favor, vamos apagar tudo o que houve entre nós. Quero ficar bem. Mesmo que eu demore para esquecer tudo, quero dar uma chance á vida.

    Thiago Potter ficou iluminado e olhou para Severo Snape como um igual pela primeira vez. Não havia mais humilhação ou deboche, mas sim um pedido de desculpas. Um sorriso sincero e ele assentiu firmemente.

    - Prometo tomar conta de Harry para vocês e nunca deixar que algo o machuque. – E aquilo foi honesto, não apenas mais uma promessa vazia.

    Lílian e Thiago pareciam extasiados e Snape sentiu que estava se refazendo. Era como uma fênix se reinventando de suas próprias cinzas. Curvou-se perante Lílian e Thiago em um gesto nobre. Os dois fizeram o mesmo e então acenaram para Severo.

    E sumirão aos poucos, apagando-se como a chama de uma vela. E o vazio veio outra vez. Mas era um vazio bom. Como uma página pronta para ser borrada com tinta para uma história fresca.

    Severo Snape por fim, em muitos anos, conseguiu rir.


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