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Não forte o suficiente
para vê-la partir para sempre.
– por Paola Tchébrikov
"Eu sinto muito, Lucca, mas não podemos continuar. Você é ótimo e merece o melhor. Não está dando certo entre nós."
A frase dita por Bárbara antes de partir ainda zunia nos ouvidos de Lucca. Como se o namoro de três anos deles não significasse nada, ela se foi.
Babi era tudo o que ele tinha.
Refletia sobre os dias felizes que haviam tido juntos enquanto andava de um lado a outro. O banheiro era grande o suficiente para que ele se locomovesse com conforto. Sem qualquer hesitação, tampou o ralo da banheira, abrindo a torneira e deixando que a água enchesse o recipiente. Depositou os óculos de grau sobre a bancada e começou a retirar suas roupas, uma a uma, ficando apenas de cueca.
Seu conto de fadas era simples e curto. Bárbara, uma mulher bela e cativante, sentou-se ao lado dele na biblioteca da faculdade em um dia nublado e com breves pancadas de chuva. Com um livro sobre a biografia de um famoso jornalista em mãos, pôs-se a ler atenciosamente, parecendo não ligar para o rapaz ao seu lado.
Ninguém ligava realmente para ele.
Lucca era um estudante do curso de Engenharia Ambiental. Nunca havia cruzado os corredores da área de humanas, por isso nunca havia visto aquela moça na instituição. Vestindo um vestido vermelho e comportado, assim como saltos altos e com os belos cabelos loiros soltos, Bárbara era a personificação da feminilidade.
Já ele era só mais um nerd sem graça e patético.
Voltando seus olhos para o livro sobre física quântica que lia, ajeitou os óculos grandes demais sobre o nariz e retomou sua leitura, ignorando a sensação de fel em sua boca.
Afinal, era assim que as coisas deveriam ser. Mulheres bonitas eram atraídas por homens sofisticados, que malhavam e que possuíam carros tunados. Lucca nunca poderia ser incluído naquela lista. Com seus vinte e cinco anos, gostava de matemática, de biologia e de livros. Andava de ônibus e assistia a filmes de comédia romântica com sua mãe, uma senhora simpática e quieta.
E, principalmente, nunca sonhou em ter uma namorada.
Sim, Lucca era ciente de que seus cabelos castanho claro eram sem graça, e que seus olhos verdes não eram hipnotizantes, além de ficarem escondidos sob as lentes grossas dos óculos. Seu estilo era pouco convencional e sua existência era apagada. Qual mulher, em sã consciência, se envolveria com ele?
"Com licença." A voz feminina e hesitante chegou a seus ouvidos, atraindo sua atenção. "Você me emprestaria o seu marca-texto? Eu esqueci o meu na sala."
Aquele havia sido o primeiro contato deles. Com uma expressão pouco receptiva, Lucca estendeu o objeto para ela, dando de ombros ante o sorriso agradecido que Bárbara lhe dirigiu.
Ela usou o marca-texto por alguns minutos antes de se levantar, devolvendo-o com uma expressão serena e indo embora. Lucca suspirou, agradecido por tudo ter acabado, imaginando que nunca mais a veria.
Entrava na banheira enquanto se lembrava do primeiro contato deles. Não colocou fé que voltaria a vê-la, mas o destino foi bom para com ele. Depois daquele primeiro dia, poucas semanas depois, Lucca voltou a encontrá-la na biblioteca. Sorrindo e acenando, ela chamou-o para sentar-se ao seu lado e, como se fosse natural, ambos dividiram uma mesa, conversando pouco entre a leitura de seus livros.
Só sentir o perfume doce já era o suficiente para ele, mas para Bárbara não foi. Os encontros passaram a ser mais frequentes. No corredor, na entrada da faculdade, na praça de alimentação.
As pessoas começaram a prestar atenção em Lucca depois que Bárbara foi até a sala dele. Sentando-se em uma cadeira ao seu lado e puxando conversa, rindo e comentando sobre um programa que havia assistido no canal National Geografic, Bárbara fê-lo sentir-se importante.
As pessoas passaram a notá-lo.
Os dois tornaram-se bons amigos. Marcaram de se encontrarem em uma lanchonete. Ele, de óculos e camisa xadrez, a viu chegar em seu carro prateado, linda em jeans e tênis. Naquela noite riram muito, comeram e se esqueceram de seus problemas. Não havia um nerd e uma belíssima mulher. Eram apenas duas pessoas curtindo suas horas de lazer juntas.
Por ele, teriam sido apenas aquilo, talvez ainda o fossem. Mas, quando Lucca acompanhou Bárbara até seu carro, despedindo-se dela com um aceno, a mulher, segurando-o pela camisa, puxou-o em sua direção.
O beijo que ela deu nele foi calmo e terno. Lucca, sem reação, apenas viu ela entrar no carro e sumir, deixando para trás olhos curiosos e um nerd impressionado.
No momento, repousando sob a água gelada da banheira, Lucca refletia como havia sido tolo ao deixar que ela conduzisse tudo. Após o beijo, Bárbara tomou conta de sua vida. Só conseguia pensar nela, sonhar com ela, querer estar ao lado dela. No meio de toda essa confusa de sua mente, ela entrou em sua vida.
Bárbara passou a oferecer carona a ele na volta para casa. Conheceu sua mãe, que a considerou bonita e simpática, um ótimo partido. Ela passou a ser algo tão presente na vida dele que, quando Bárbara lhe deu outro beijo, Lucca correspondeu, sentindo seu coração agitar-se e sua mente nublar-se.
Havia sido naquele momento que tudo desmoronou. Um beijo sempre levava a outro e, em uma tarde na casa dele, quando a senhora simpática estava na casa de um irmão, Bárbara o seduziu até o quarto, despiu-se lentamente e dominou-o por completo.
Os óculos, que ela achava engraçados, foram descartados, os cabelos sempre arrumadinhos foram despenteados e a roupa cafona retirada com pressa.
"Fascinante", ela sussurrou para ele, deitada sobre si, com um sorriso terno nos lábios. Como se não bastasse que fosse Bárbara quem dominasse os movimentos, ela ainda havia sido quem trouxe e colocou o preservativo nele, e quem os cobriu quando, alcançando o ápice, ele caiu na cama, confuso e extasiado pela descoberta.
Bárbara incluiu nele a luxúria, levou-o a descobrir os prazeres do mundo.
Não tardou em ela influenciá-lo em outras áreas.
Namoravam há um ano quando a mãe dele faleceu. Já tendo terminado a faculdade, Lucca estava prestes a sair da empresa onde estagiara até o fim do curso. Bárbara, simpática e popular, não demorou em arranjar um emprego novo para ele, assim como em providenciar tudo para que morassem juntos.
Com a permissão do namorado, ela reformulou o guarda-roupa dele, trocou os óculos engraçados por outros sofisticados, que ela chamou de sexy's, e sociabilizou a ambos. Passaram a frequentar bares, shows e casas noturnas.
Bárbara deu uma vida a ele. Uma vida repleta de cores e agitação. Mas toda aquela alegria e satisfação foi o problema. Estava tão concentrado nela, tão dependente e apaixonado por aquela mulher perfeita que, quando Bárbara saiu de sua vida, tudo desmoronou.
Desmoronou de tal modo que ele, naquele momento, deitado dentro da banheira, sob a água gelada, esperava que seu fôlego acabasse. Havia feito natação quando aluno do colegial, e fora um dos melhores alunos, mas não era bom o suficiente para passar o resto da vida embaixo d'água.
Uma hora o fôlego acabaria. Uma hora conseguiria livrar-se do fardo da vida.
There's nothing I can do
My heart is chained to you
And I can't get free
Look what this love done to me
O amor é um sentimento de vida e de morte. Ele é capaz de fazer as pessoas realizarem loucuras por sua causa. Ele sobrepõe um povo e ruína uma nação. Ele transpassa gerações e transforma o mundo.
Enquanto sentia que seu fim se aproximava, Lucca pensava em como havia sido sortudo por aqueles anos de paz. Agradecia por sua vida e pela felicidade que sentia naquele momento. Sabia que suicidas não vão para o céu. Sabia que seu destino estava traçado.
Todavia, não podia viver sem Bárbara, não conseguia viver sem ela. Não fugiria de sua responsabilidade nem esconderia seu sofrimento. Arrancar o mal pela raiz sempre foi a melhor solução.
Não havia ninguém a aguardá-lo. Não havia ninguém a vê-lo. Não havia sentido em ficar, quando tudo lhe dizia para ir. Mesmo que não fosse para o lado das pessoas que amava, era melhor do que ter de suportar o peso da perda.
And it's killin' me when you're away, I wanna leave and I wanna stay.
I'm so confused, so hard to choose.
Between the pleasure and the pain.
And I know it's wrong, and I know it's right.
Even if I try to win the fight,
My heart would overrule my mind.
And I'm not strong enough to stay away
"Não sou forte o suficiente para ficar."
Enquanto sentia a água invadir sua boca, e a sensação de morte tocar-lhe os ombros, retirando o peso do mundo de si, sorriu para si mesmo. A mão da morte esmagou seu coração, arrancando sua alma lentamente de seu corpo. A consciência indo e vindo, a sensação de fim se intensificando, até sobrar apenas letargia.
Suspirou, sorriu, desvaneceu.
Estava feito.