Quando Sebastian preparava-se para retirar seu terno, os dois demônios assustaram-se com o barulho da campainha. O mordomo fechou os olhos e franziu a testa em um semblante claramente irritado, enquanto se perguntava quem estaria à espera na porta da frente, afinal, ninguém conhecido sabia que estavam lá. Deu um sorriso falso que não fazia questão de disfarçar a expressão frustrada e disse ao seu mestre:
— Eu... Irei atender à porta. Apronte-se, Jovem Mestre, precisa estar preparado para o visitante.
— Sebastian...
— Ah... Mais uma coisa: Não pense que acabou, ou que foi apenas um impulso meu. Eu ainda quero a minha recompensa.
E depois de falar isso, Sebastian saiu do quarto.
“Maldito seja quem quer que esteja lá, por ter atrapalhado minha diversão”, pensou o mordomo, que já estava com a cara ainda mais estressada. Se Ciel pensava que foi apenas um ímpeto do demônio, estava completamente enganado. Sebastian nunca quisera ninguém tanto quanto quer o conde para si.
Chegou ao térreo da mansão e, fingindo um perfil razoavelmente mais sereno, abriu a porta, porém, a expressão inalterável não continuou dessa forma por muito tempo.
Sebastian não esperava por essa. Mesmo sendo um demônio que raramente demonstrava seus pensamentos por meio de feições – isso precisaria ser revisto. Estava expondo seus julgamentos em uma frequência extremamente alta nesse dia, mesmo não sendo influenciado por hormônios, como os humanos –, não deixou de esboçar em seu rosto uma clara reação de surpresa ao deparar-se com o homem que estava lá, mesmo que esta fisionomia não tivesse ficado em sua face por mais que alguns milésimos. Mesmo assim, o mordomo sabia que a criatura a sua frente notara o seu breve momento de reflexão.
— Undertaker. Que surpresa tê-lo aqui.
O shinigami, que antes tinha um pequeno sorriso em seus lábios, começou a exibir sua satisfação com sua boca chegando de orelha a orelha.
— Sebastian! Finalmente o encontrei! Poderia falar com o mestre Ciel?
— O Jovem Mes...
— Undertaker. Como nos encontrou aqui na Itália? Imaginei que ninguém soubesse da localização dessa mansão.
Os dois viraram-se. Viram Ciel no topo da escadaria, equilibrando-se em sua dispendiosa bengala de ébano, que combinava com as roupas negras. Sebastian acompanhava cada um de seus movimentos, enquanto o funerário visitante escoltava os do antigo demônio.
— Oh, Ciel, eu tenho uma resposta compreensível para esta questão! Eu segui vocês!
— O-o quê? Como assim? – disse Ciel
— Como isso é possível? Nem eu e nem o Jovem Mestre percebemos sua presença.
— A vantagem de ser um shinigami é que você pode se esconder nas sombras de qualquer ser vivo! Por mais que sejam demônios, e tudo mais, ainda têm vida, não é? Agora, Sebastian, eu poderia, por favor, falar com seu Mestre? A sós?
Sebastian não gostara, mas não deixaria isso transparecer em sua face novamente.
— Com licença.
Enquanto o mordomo se retirava, o sorriso de Undertaker aumentava ainda mais. Ciel estava surpreso com o tamanho da felicidade do shinigami, mesmo não sendo perito em assuntos de alegria, ou coisas do tipo.
— O que quer, Undertaker?
— Puxa, sempre tão direto, não é, Ciel?
— Ande logo, não tenho tempo para seus joguinhos.
Os alegres lábios de Undertaker diminuíram de largura, até se transformarem num pequeno sorriso sarcástico.
— Estava ocupado, Ciel? Fazendo algo mais... Interessante?
Ciel corou. Por mais que fosse um demônio, já fora uma pessoa, e continuava a conservar sentimentos humanos.
— Isso não é da sua conta.
Undertaker refletiu, levantando a cabeça ao teto e pondo um dedo nos lábios.
— Hm, é talvez não seja mesmo... – Disse o shinigami, então riu novamente, abaixando a mão – Mas não é isso o que importa! Vim aqui para uma troca de favores,
— Não estou interessado.
— Oras não se preocupe, não precisará fazer nada. Você já pagou, eu quem estou devendo a você!
— Como assim? Que eu saiba ninguém me deve nada...
— É... Talvez você não se lembre... Hm, não, acho que se recorda muito bem desse dia... Apenas não está ligando os pontos.
— O que você quer dizer com isso? Seja breve em sua explicação, Undertaker, estou perdendo minha paciência.
— Oh, perdão, conde. Precisa que eu lhe explique sobre o dia em que quisera uma informação minha, mas, eu queria algo em troca? Uma risada? Uma risada que me dera com a coisa mais divertida que falou para mim?
E, antes de Undertaker começar a explicação, Ciel recordou-se. E, mais uma vez, o demônio ruborizou. Ah, ele se lembrava daquele dia, como se tivesse acontecido ontem. Ele nunca sentira tanta vergonha em falar algo – Ele pensava “falar”, porque nada que fizera fora mais humilhante que vestir-se de mulher na festa do Visconde Druitt –, mesmo esse “algo” sendo a mais pura e completa verdade.
O shinigami se aproximou mais de Ciel, apenas para ver o rosto do pequeno inundar-se ainda mais na vergonha que sentia, graças às recordações daquele dia. Então, o funerário começou a pressioná-lo.
— Lembra-se, conde, da sua pequena confissão?
“Sim, eu me lembro, droga!” – pensou Ciel. Onde aquele maldito shinigami queria chegar?
— Haha, você me fez rir por semanas depois de dizer aquilo! Afinal, não é todo o dia que vemos um nobre de sua escala confessar seus sentimentos amorosos pelo mordomo, ainda mais este não sendo nem mesmo um humano! Hahahaha!
O nobre arregalou os olhos e enrubesceu ainda mais do que já estava. Droga! Esse desgraçado está fazendo isso de propósito... Por que não fala logo o que quer e vai embora?
— Undertaker! Diga-me logo o que quer!
— Puxa, conde, estou aqui para lhe dizer outra revelação, e você trata-me desta maneira? Assim não dá...
Ciel jurou, internamente, que faria esse miserável experimentar a morte que tanto adorava se não falasse logo o que queria dizer.
— Mas, como sou misericordioso, ainda assim falarei algo que, no mínimo, te deixara feliz!
O quê? Ciel feliz? Essa o demônio queria ver...
— Sabe qual foi o principal motivo da minha risada, conde? O fato de que você não foi o único a me dizer aquela bela declaração.
O demônio franziu a testa. Quem teria sido a pessoa a fazer isso? E por que isso o deixaria tão feliz?
— Claro que essa confissão não fora nem de longe tão romântica quanto a sua, mas... Espera, ainda não sabe de quem estou falando?
“Não é óbvio que não?” – Pensou Ciel, irritado.
— Oras, conde, é alguém muito próximo de você... Alguém que já me fizera rir em troca de informação e...
A verdade atingiu Ciel em cheio. Como pudera ser tão estúpido a ponto de não perceber? Mas, como poderia perceber, já que conhecia essa pessoa bem o suficiente para saber que não sabia absolutamente nada sobre ela?
— O-o quê? Sebastian? Mas... Ele...
— Ele o quê? Não é capaz de sentir nada? Sinto lhe informar, mas não é a mais completa verdade. Pode parecer estranho saber disso, mas lhe contarei os fatos verídicos: Sebastian, mesmo sendo um demônio, está aprisionado a um corpo humano, graças ao contrato que vocês dois fizeram.
— Mas o que o contrato tem a ver com isso?
— Proteção. Afinal, caso você visse ele em sua forma demoníaca verdadeira, com certeza não sobreviveria ao fato.
Vários pensamentos atravessavam a mente de Ciel ao mesmo tempo, deixando-o em um estado próximo à insanidade. Sebastian, com pensamentos humanos? Como isso é possível? Quer dizer que... Havia uma chance, mesmo que mínima, deste amar o pequeno demônio? E por que o nobre estava tão fervoroso com a simples descoberta da verdade – que, por sinal, a princípio não acreditava, de tão insano que parecia a simples menção de Sebastian amando alguma coisa. Amando ele.
— Sim, conde, Sebastian é capaz sentir, viver, amar, graças ao corpo humano. E, o último sentimento, ele o tem por você.
— Ele... Ama a mim?
— Bem, foi isso o que ele me disse, não é? E não é como se seu estimado mordomo gostasse de brincadeiras. Ao menos, não esse tipo de brincadeiras, não é mesmo? – Undertaker falou e, logo depois, começara sua crise de risadinhas, infames e irônicas demais.
Mas o nobre nem ouvira a sátira maldosa do funerário. Seu coração batia forte, e a mente registrava um contentamento fora do normal para o garoto. Graças a essa circunstância, mal percebera quando o shinigami dera um pequeno sorriso e saíra da mansão, guiado apenas por suas lembranças do caminho da porta ao cômodo onde conversara com Ciel. O conde também mal notara quando saíra correndo pela casa, em busca de seu – Por mais estranho que considerasse chamar Sebastian dessa forma – amado demônio