Pokémon Ree laii

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    12
    Capítulos:

    Capítulo 2

    Capítulo 001 - Olhos verdes

    Álcool, Nudez, Violência

    Olhos verdes

    - Água. ? ecos ressoavam em minha mente. ? Não. Chuva.

    Gotas gélidas respingavam em minhas vestes peroladas, imóvel; nada sentia.

    - Sangue? ? sem me importar um líquido escarlate, liberado de meu interior esboçava uma figura por entre as fendas do solo.

    - Você é especial. ? Sorri timidamente com a voz doce.

    - Obrigado. ? respondi ternamente o seu elogio.

    Observando as linhas, não compreendia o que aquilo significava. Apenas queria que continuasse. Eternamente.

    Arfante e enojada, queria retirar de mim o que acabara de ver. Sabia que seria impossível. Já ocorrera o mesmo, e não conseguira esquecer. Um único e aterrorizante pesadelo ocorrido há tempos, contido em minha memória; reproduzido em um dia que deveria ser realmente perfeito.

    - Seis horas e dois minutos. ? grunhi ainda embrulhada na coberta lilás.

    O despertador não tocara. Estava marcado para as seis em ponto. Busquei motivação para sair da minha cama quentinha e confortável, calçando meus chinelos e dirigindo-me ao corredor ainda escuro. Acendi as luzes do banheiro em ladrilhos verde musgo e tranquei a fechadura, observando o meu visual no enorme espelho anexado a parede.

    Meus cabelos azul aço amarrados em um coque firmado por uma caneta vermelha, que encontrei por acaso na gaveta da cômoda da sala, permanecia intocável. Os olhos cor de água, como um límpido lago, herança de minha avó paterna, estavam areados e avermelhados. Abri a torneira da pia, limpando a face com água em movimentos circulares. Meus dedos trêmulos recuperavam-se lentamente a cada toque em minha pele rósea.

    Puxei alguns lenços umedecidos do pacote sob a bancada, esfregando os poros da testa e nas laterais das narinas avançando até o pescoço. Atirei-os ao lixo, dirigindo-me a ducha. Retirei o pijama, uma camisola branca de algodão e depositei no cesto de roupas ao lado da toalha verde florida em bordas brancas.

    O banho foi apenas para reavivar corpo e mente para iniciar a minha tão esperada jornada. Não era acostumada a acordar tão cedo, embora gostasse do aroma de orvalho e do brilho suave do sol da manhã.

    Estava frio, contudo a água saía fervilhante dos orifícios do chuveiro, díspar ao recente pesadelo. Esfreguei a bucha amarela de textura áspera com aroma delicado das flores cheia do sabonete em minha pele. Após o banho, enxuguei-me a toalha, vestindo roupas específicas para longas viagens.

    Calça de linho três quartos, solto, de tonalidade creme, camiseta de algodão verde água bem justa na cintura e manga curta, colete preto em sarja, sem mangas, dois botões frontais, meias brancas e tênis em fibras de carbono cinza e branco.

    Retirei a caneta dos cabelos, penteando-o. Escovei os dentes, liberando um frescor de menta.

    Voltei ao quarto, peguei a mochila preta em cordura impermeável da prateleira depositando-a sob a cama desarrumada. Abri o zíper, confirmando todos os itens. Cantil, saco de dormir compacto, itens de higiene pessoal, dois conjuntos de roupas para ambientes aquáticos e frios, conjunto ?Cozinha de acampar?, tênis extra, fones de ouvido, ração específica para pokémons aquáticos, carteira, pilhas, lanterna resistente multiambientes, protetor solar fator cinqüenta, pokegear, óculos escuros e um lembrete de ?lanche?.

    Fechei a mochila, rodeei o local, guardando em minha mente cada detalhe. O papel de parede branco e verde-limão, com folhas verdejantes dentro de tarjas horizontais, que permanecia desde o meu nascimento. A janela de madeira branca e as venezianas em vidro, combinando com o guarda-roupa e a escrivaninha. O computador verde-limão coberto de quinquilharias dos meus amigos de escola, com experiências importantes no meu desenvolvimento. O piso de tábuas corridas recém envernizadas. As prateleiras lotadas de bonecos Pokémon aquáticos, dos locais onde meu pai pesquisava. Da esquerda para a direita, Azurill, Lotad, dois Shellos, do leste e do oeste, um de cada cor, Qwilfish, Seel, Finneon, Poliwag, Luvdisk e Slowpoke. O meu preferido era um Wailmer, que eu utilizava como travesseiro e neste momento repousava na cama.

    Fechei a porta por trás de mim caminhando até a cozinha para o último café da manhã em companhia de minha mãe.

    O corredor dava na sala de jantar, ligada a cozinha em estilo americano por um arco vistoso, talhado a mão, presente de casamento de um grande amigo da família.

    - Bom dia, mãe. ? sorri de orelha a orelha para tentar animá-la. A notícia de que finalmente partiria em minha jornada, não a agradou.

    Hoje, vestia um avental cor de rosa, com um vestido branco florido, sem adornos.

    - Ah, sim querida. Bom dia. ? sua voz angustiada, subtendia reprovação. ? Tome seu café, você precisa estar forte, sua mãe não estará por perto para cuidar de você a partir de hoje.

    - Dona Sunli, não dramatize. ? ela nunca quis que eu pusesse os pés fora de casa. Se dependesse dela eu teria sido criada em uma bolha, salva de todos os perigos.

    Olhou-me ressentida de minhas palavras, demonstrando seu rosto para mim. Aparentava ser bem mais velha do que realmente era. Agoniada, vivia pelos cantos arrumando os objetos em posições milimetricamente calculadas; demorava horas para limpar a casa e nunca se sentia satisfeita. Pokémons então, estritamente proibidos.

    Os cabelos castanhos não escondiam diversos fios brancos, manchas abaixo dos olhos, pelo choro habitual. Chorava muito trancada no banheiro de sua suíte, disfarçando todas às vezes, dizendo que adorava banhos demorados.

    Mais jovem apresentava vivacidade, seus olhos acobreados, brilhavam transmitindo felicidade a todos que se aproximavam dela. Bom, ao menos assim era como meu pai a descrevia. Sempre perguntava a ele o porquê de minha mãe ter se tornado tão depressiva, mas ele sempre mudava de assunto.

    - Mãe. ? culpada, decidi me retratar ? Desculpe-me. Eu queria que ficasse feliz por mim. Sei que quer o meu bem e agradeço só que você precisa relaxar. Está bem.

    - Querida. ? ela apertou minhas bochechas carinhosamente. Fazia isso, quando perdoava os meus pequenos deslizes. ? Coma logo, tem de pegar o ônibus às sete e meia.

    Tasquei-lhe um beijo e sentei-me a mesa sorrindo. Ela retribuiu com um sorriso amarelo. Ao menos estava se esforçando e não fez súplicas para continuar em casa. Comi calmamente, aproveitando de sua companhia.

    - Obrigado. ? agradeci pelo seu empenho em parecer feliz. Levantei e abri a geladeira, procurando uma vasilha com um sanduíche. Não esquecera o lembrete. ? Acho que chegou a hora, mamãe.

    Com lágrimas nos olhos, ela pôde chorar por um motivo plausível, sendo que nunca chorava em minha presença. Abracei-a afetuosamente, sentindo o seu aroma amadeirado. Nunca contei para ela, que adorava o seu cheiro. Achei que não era o momento. Não queria chorar também.

    - Minha querida, tome cuidado. ? ela olhou em meus olhos e me liberou. Apesar de um ato simples para a maioria das pessoas, senti que ela se esforçou ao máximo para isso. ? Me ligue sempre que puder e saiba que estou aqui te esperando. Sempre.

    - Está bem. ? sussurrei em seu ouvido ? Te amo.

    Dei um último abraço nela, peguei a mochila e me virei para a saída. Circundei a maçaneta dourada, abrindo-me para um mundo de descobertas. Ainda não sabia qual profissão seguir, apenas sabia que envolvia pokémons. Pokémons aquáticos é claro. Por isso, hoje iria escolher um Squirtle como inicial.

    Desci pelas escadas de granito, rumo ao portão já aberto, acenando um último adeus a minha mãe.

    O terminal de ônibus ficava a duas quadras; relativamente perto. Caminhei vagarosamente para a direita, virando a esquina. Cerulean era bastante arborizada, aglaias plantadas paralelamente entre as calçadas exalavam um perfume doce e delicado. Sua fragrância é mais perceptível à noite, embora estivesse particularmente agradável nesta manhã. As flores amarelo-creme combinavam com as folhas verde médio, moldando sua forma às designações da brisa leve.

    Escorei na pilastra de concreto do ponto de ônibus, só, aguardando ansiosamente a sua chegada.

    - Sete e vinte e três. ? disse mentalmente ao olhar para a pokegear. ? Os ônibus são extremamente pontuais, então mais sete minutinhos de espera.

    Aproveitei esse período, para ouvir o rádio. Mary falava de fatos curiosos ligados aos pokémons. O Professor Carvalho não estava apresentando o programa hoje, provavelmente estava no laboratório esperando a minha chegada.

    - Canal Pokémon, com uma matéria super especial para vocês. ? a voz de Mary sempre chamava atenção. ? Um especial de uma hora, ?Os mitos de Jotho?. Visitamos as ilhas redemoinho tentando desvendar o segredo por trás das lendas. Não percam, hoje às dezenove horas!

    O ônibus com uma placa eletrônica sinalizando PALLET foi surgindo ao longe. Acenei enquanto guardava a pokegear. Cumprimentei o motorista subindo as escadas adentrando o corredor, poucas pessoas presentes, concentradas nas poltronas da frente. Decidi pelas poltronas do fundo. A de número quarenta e cinco, na janela ? assim, poderia aproveitar o tempo observando a paisagem.

    O ronco do motor indicou a partida. Algum tempo depois uma placa arqueada firmada por fibras metálicas na saída da cidade deixava uma mensagem.

    CERULEAN AGRADECE A SUA VISITA. BOA VIAGEM!

    A portinhola se abriu, e o cobrador começou a verificar as passagens. Aos poucos, as construções davam lugar à vegetação rasteira, característica da região. O cobrador veio a mim, redigiu e entregou-me o bilhete da passagem.

    - A estrada principal que dá acesso a Pallet está bloqueada, por isso terá um percurso a pé. ? disse pausadamente quase inaudível. ? Como você é a única passageira com destino a cidade... Podemos parar no próximo ponto, caso não queira continuar.

    - O trecho é muito longo? ? procurei sondar um pouco.

    - Não. Cerca de dez minutos.

    - Então, sem problemas. ? guardei o bilhete dentro da carteira.

    - Certo. Obrigado por escolher nossa companhia.

    - De nada. ? voltei a admirar a paisagem.

    Em alguns minutos, houve a primeira parada, desembarcando um casal em uma estrada de terra batida e a cada parada desciam mais e mais pessoas, ninguém embarcava.

    Uma senhora idosa, cabelos pretos, com um xale de lã oliva cobrindo as costas, desceu apoiada por uma bengala metálica, ornada de pedras brilhantes e vistosas, em uma elegante estância.

    Em estilo colonial notava-se a imponência da construção. Pintura em areia revestida em granito no baldrame, piso laminado em carvalho nos dois andares, portas de correr em arco de Angelim pedra, circundados por duas sacadas frontais em madeira de castanho. A porta de entrada de Angelim pedra almofadada em relevo com dois visores laterais, destacavam-se das portas da sacada. Janelas em arco, veneziana pantográfica, com roldanas de esfera e trilho de alumínio.

    Uma fonte d?água rodeando o jardim central refrescava as flores em intervalos regulares. Algumas plantas próximas as nogueiras, dançavam, balançando uma espécie de saia de folhas e rodando as flores de pétalas vermelhas em suas cabeças, bastante animadas. Passarinhos de dorso marrom, os olhos castanhos envolvidos por um rajado de cor negra, nadavam na fonte roçando o bico nas asas limpando por entre as penas dourado pálido.

    Um garoto recebeu a senhora que acabara de descer. Vestimentas finas, pele clara, longos cabelos dourados alinhados, porte aristocrático, um verdadeiro membro da nobreza.

    Mirou-me com seus grandes olhos verdes, suaves e encantadores, atraindo-me silenciosamente. Exuberante, espelhavam os campos mais belos que a natureza poderia criar, transmitindo paz e tranqüilidade.

    Conectados, um lago translúcido unia-se a natureza verdejante.

    Inexplicavelmente, sentia-me calma e segura, a inquietação que ocultava em meu íntimo desaparecera. No entanto, em um piscar de olhos, a ligação se desfez.

    O ônibus seguiu caminho, deixando-me ressabiada do recente acontecimento. Nunca havia experimentado nada semelhante em meus modestos doze anos de vida. Algo inusitado se sucedeu em um pueril contato visual.

    O restante do percurso passou num instante.

    - Pode seguir nessa estrada e chegará até Pallet em poucos minutos. ? O motorista apontou para uma trilha estreita em meio à mata fechada.

    - Obrigado. ? desci as escadas em direção ao caminho indicado em passos curtos, vasculhando a mochila.

    Nove e vinte e três. O horário estava marcado para as dez, mas meu estômago já estava reclamando por um pouco de comida.

    Andei algum tempo, chegando a uma área aberta, com algumas pedras altas, protegidas pelas árvores; ambiente agradável para uma parada.

    Peguei o sanduíche de mussarela e tomate, abocanhando a parte superior. Senti uma movimentação entre as pedras. Não me importei.

    Uma batida no ombro esquerdo me levou ao chão.

    - Ai! ? gemi ao levantar, espanando a calça suja de areia.

    Uma bola verde com asas ovuladas cor de rosa e amarelo, tracejadas de preto, sustentada por dois pés pequenos, agarraram-se ao meu sanduíche, encarando-me com seus olhos negros enigmáticos.

    - Natu. ? piou, permanecendo na mesma posição. ? Tu.

    - Me devolve! ? esbravejando corri em direção ao ladrãozinho de comida.

    Seu bico amarelo começou a brilhar, avançando em meu rosto. Bicadas fortes acertavam o meu crânio, enquanto tentava me proteger com os braços.

    - Para. Socorro! ? gritava dando lufadas no ar.

    Ele se afastou indo embora com o pedaço de pão desviando dos galhos das árvores. Abalada, procurei as pedras para descansar e me recuperar, entretanto haviam desaparecido do local. Uma vala era tudo que restava.

    - Péssima idéia comer no meio do nada. Só poderia dar nisso. ? falava sozinha tentando arrumar os cabelos engalfinhados. ? Huuuuuuu! Bicho idiota.

    Acalmei-me e continuei por mais alguns minutos até avistar Pallet. Uma pequena cidade entre morros e habitações rurais.

    Na colina mais alta em meio à vegetação, havia um portal de tijolos empilhados que levava a uma casa de telhado de barro vermelho anexada a um moinho de vento, construído com pedras de calcário. Já havia visto na televisão o laboratório do professor. Com certeza, era ali.

    Preferi dar a volta por fora da cidade. Não queria ninguém olhando o meu estado deplorável.

    De maneira furtiva, consegui chegar até o laboratório sem ser vista.

    - Nove e cinqüenta e sete. ? olhei no visor da pokegear. ? Pelo menos não estou atrasada.

    Tentei melhorar a aparência, sem sucesso. À medida que subia a estrada entre arbustos, tentava bolar uma história para explicar ao professor a condição em que me encontrava.

    Respirei fundo em frente à porta em aço maciço, tomando coragem. Alguns silvos agudos atrás da parede lavanda. Uma explosão, fumaça e a porta arremessada em minha direção.

    Tudo escureceu.


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