Uma história que envolve sentimentos e emoções inimagináveis, bem como o florescimento de um grande amor.
Amasso a carta que tinha em minhas mãos e uma lágrima de amargura escorre pelo meu rosto...
Como ela pôde?
***
Na noite em que nós conhecemos, ela, mesmo não sabendo dançar, tinha movimentos leves e se entregava completamente à minha condução. Lembro que considerei isso estranho, eu já havia dançado com muitas mulheres, mas nenhuma possuía a entrega e fluidez que minha parceira de olhos tristes demonstrava naquele momento. Fecho os olhos para lembrar da música e relembro de como começamos a valsar.
Mistery era uma das poucas casas noturnas que tocava valsa ao som do piano e violino na capital sertaneja do Brasil, Goiânia. Desta forma, era o refúgio para os poucos amantes de música clássica e valsa.
O salão, como sempre, estava lotado de rostos conhecidos, era um público restrito, então era fácil dizer quem era novo no recinto.
E ela o era.
Trajada com um vestido branco leve que ia até metade da canela, que lhe alongava a silhueta esquia e moldava os seios fartos e bem feitos. Estava sentada em uma das mesas próxima à pista de dança, olhava para todos com real interesse, maravilhada com cada movimento. Em sua mesa havia uma taça de champanhe pela metade, na qual ela bebericava vez ou outra, sem dar real importância para a bebida.
Ela havia recusado dançar com todos que lhe haviam solicitado, mas depois que eles pegavam outra parceira, ela os observava fascinada.
Realmente fiquei interessado nela, nas suas formas sutis, nos olhos castanhos e na cascata negra que lhe caia pelas costas decotadas do vestido. Elevei-me e fiz igual a todos os demais: pus-me a sua frente e estendi minha mão para que ela pegasse e iniciássemos a valsa. Ela elevou o olhar para os meus. Meu Deus, como ela era pálida!
–- Desculpe-me, senhor, não sei dançar.
–- E quem disse que qualquer um neste salão o sabe? – senti-me feliz ao ver sua expressão de interesse – Dançar, minha cara, é algo que se faz, não que se sabe... Seríamos mais felizes se nos deixássemos levar pela música e vivêssemos cada dia como se fosse o último.
Mantive minha mão estendida e senti o toque leve e oscilante dela. Puxei seu corpo magro para próximo ao meu e começamos a valsar. Ela era mais ou menos um palmo mais baixa do que eu, seu perfume era doce e refrescante, aproximei meu corpo um pouco mais do dela, percorri com as mãos sua espinha desnuda pelo decote do vestido e abaixei a cabeça para vê-la melhor.
Os olhos cor-de-chocolate, emoldurado por longos cílios negros olham para cima com uma expressão de insegurança. Ela está usando pouca maquiagem, imagino que somente máscara nos cílios, um leve pó na pele lisa e clara e um brilho rosa nos lábios. Minha experiência como fotógrafo me faz conhecer o que é beleza real e a magia que a maquiagem pode fazer no rosto de uma mulher comum... A minha companheira de valsa, definitivamente, era uma beleza real.
–- Chegou recentemente a Goiânia?
Fiz esta pergunta para iniciarmos uma breve conversa, não me interessava deveras nada sobre esta mulher de olhos tristes. Mas quando ela olhou para baixo e ficou em silêncio, realmente me senti frustrado por não obter resposta.
Prosseguimos com nossa dança muda. Ela evitava qualquer contato visual comigo, minha mão direita estava firme na dela, enquanto a esquerda movia-se em sua cintura fina guiando seus movimentos. Uma pirueta, um movimento leve e o som do piano de calda foi morrendo, o sinal de que a música está acabando, que os movimentos devem se esvair.
Antes do último acorde, minha companheira para de dançar e se afasta do meu abraço.
– Por favor, dance mais uma música comigo – sussurrei sem compreender o tom de súplica que minha voz assumia.
–- Não será possível – ela estava ofegante – Imagino que bebi champanhe demais e as piruetas não me fizeram bem.
Isso não era verdade, eu a observei a noite toda, admito envergonhado. E a vi bebendo unicamente uma taça de champanhe desde quando adentrou no salão, e esta taça jazia pela metade na mesa.
Olho-a de forma questionadora e guio-a para a mesa ainda segurando firmemente sua mão gelada.
– Espero que depois que você tenha descansado possa me dar a honra de uma nova dança.
–- Veremos... – ela sorri e pede água ao garçom.
Ela claramente não deseja conversar, mas não me daria por vencido. O seu toque gelado me fez desejar conversar, desejar saber o mistério presente naqueles olhos cor-de-chocolate, naquele semblante triste.
–- Me chamo Gabriel, Gabriel Brás.
Aquelas duas bolas marrons expressivas me fitaram com uma mistura de medo e dúvida.
–- Bia...
Aguardei o sobrenome ou o complemento do nome, ninguém se chamava Bia, isso é um apelido. Mas nada mais ela falou.
A curiosidade sobre o seu nome verdadeiro nasceu em meu peito. Aquelas ondas negras me faziam pensar que seu nome era Bianca, sempre pensei em Biancas com cabelos compridos e ar feminino. Mas o seu ar nobre e distinto me levava para nomeá-la de Núbia, sim, riqueza este o significado deste nome, mas não sei... Tenho dúvidas que se chame Beatriz ou algo parecido... Este nome significa felicidade, será que um dia esta Bia foi feliz?
–- Tenho que ir.
Ela eleva-se um pouco cambaleante, anda alguns passos e cai desmaiada no chão.