O Cheiro da Lua

Tempo estimado de leitura: 41 minutos

    12
    Capítulos:

    Capítulo 1

    Problemas? Eles mal começaram.

    Heterossexualidade, Sexo

    Eu planejava fazer uma fic sobre lobos :p

    Espero que gostem.

    Estava dentro de casa quando começou a chover, respirei fundo e me joguei de costas na cama. Silêncio. Pensei que já havia me acostumado com essa sensação de solidão, fechei os olhos ao me lembrar do sorriso calorosa de minha tia. Ela fazia uma comida deliciosa, senti fome, mas estava com preguiça de levantar.

    Depois, veio-me as imagens de meus pais, ambos sorriam e acenavam; eu tinha apenas dez anos quando eles foram embora. Minha tia dizia que eles eram ótimas pessoas, mas não sabiam como cuidar de uma filha então ela se encarregou de me dar amor e proteção.

    Abri os olhos devagar e sorri, era estranho como haviam passado tantos anos sem meus pais por perto e eu não havia sofrido tanto, porém com a morte de minha tia, as coisas estavam ficando complicadas... Já suspeitava de que meu psicológico não estivesse nas melhores condições, mas hoje havia sido comprovado que, infelizmente, eu estava correta.

    A fome venceu a preguiça e logo estava de pé, meu destino era a cozinha. A primeira coisa que fiz foi verificar o que existia na geladeira, por sorte havia arroz e feijão congelado, um ovo seria a mistura do dia. Esquentei o básico e depois fritei o ovo, logo estava sentada à mesa, pronta para saciar meu estômago.

    Entretanto, antes que começasse a comer, senti pedaços da memória voltando... Era alguma coisa de hoje à tarde. Coloquei uma das mãos na testa, não queria lembrar disso agora, talvez mais tarde eu pudesse estudar melhor os fatos.

    Terminei a refeição em silêncio, não tinha ninguém com quem conversar mesmo. Deixei a louça em cima da pia, amanhã eu poderia arrumar tudo, incluindo a casa. Sorte minha de hoje ser sexta.

    Quando cheguei no meu quarto, joguei os chinelos longe e sentei na cama, sabia que era a hora de repensar o que havia acontecido durante a tarde. Suspirei e fiquei à espera da minha surpreendente memória; demorou mais do que eu esperava, mas ela veio forte e bem viva em minha mente.

    Imagens confusas surgiram, mas com um pouco de concentração consegui ordená-las para compreendê-las. Cruzei as pernas em cima da cama, estava surpresa com o que minha cabeça havia acabado de me mostrar.

    Uma sensação engraçada me invadiu ao pensar que eu havia ficado dois anos sem me transformar, controlando-me para viver uma vida normal e agora um sonho bobo e simples da floresta iluminada pela lua me fez virar uma loba, sair do conforto da minha casa para ir até Trevarch e correr sem rumo pela mata.

    E claro, não posso esquecer que, quando voltei a ser Kristine, estava deitada nua na grama. Enrubesci pensando que alguém pôde ter me visto enquanto eu tirava uma soneca. Pelo menos consegui chegar em casa com um enorme casaco para emergências, que eu deixei há anos em uma caverna, assim ninguém me viu andando pelada pela cidade.

    Olhei para as minhas mãos e percebi que estava na hora de fazer as unhas, depois vi o horário no relógio: seis e vinte da tarde. Levantei em um pulo, tinha marcado de sair com as garotas às sete e meia e eu ainda tinha que escolher uma roupa e tomar um banho, não teria tempo de arrumar as unhas.

    Sorri ao lembrar de Judely, ela diria que sair na forma de loba era muita mais fácil do que como mulher. Só se esquecia de que, na cidade inteira, eu e ela éramos as únicas com essa habilidade selvagem. Se meus pais estivessem aqui, eu não seria a única... Fazia apenas dois meses que Tia Ju falecera e parece que isso me afeta mais do que imagino. Respirei fundo e suas palavras vieram à tona:

    Você tem de aceitar esse dom, Kristine, e deixar a vida seguir seu caminho. Um dia você entenderá o que estou dizendo, querida.

    Tentei compreender ?meu jeito? até meus catorze anos, mas desisti disso ao entrar no ensino médio, o ambiente escolar havia se tornado um grande obstáculo para mim, então percebi que precisava de uma vida mais normal. Judely não gostava muito da minha atitude:

    Eu entendo que esteja sendo difícil, porém, cedo ou tarde, você não conseguirá se controlar e seus instintos ficarão muito intensos. Querida, eu não desejo o seu mal, eu quero o melhor para você... Por isso vou deixar você fazer a sua escolha se prometer que me contará se algo der errado.

    Depois da permissão e da ajuda de minha tia, demorei um ano inteiro para conseguir total controle do meu corpo. Foi difícil passar noites acordadas sem poder ousar pensar em entrar na floresta, era complicado reprimir meus instintos animais que são os causadores da minha transformação.

    Será que os outros como eu enfrentam esse problema? Pensando agora, Tia Ju só se transformava quando queria, acho que com o tempo vem a sabedoria e o autocontrole.

    Balancei a cabeça com força, não é hora de fazer reflexão, peguei meu celular que estava em cima da cama, seis e meia. Droga!

    - Vou tomar um banho e depois escolho uma roupa. - afirmei e depois gargalhei, estava começando a ficar comum conversar comigo mesma.

    Pulei um monte feito de bichinhos de pelúcia, os quais eu não sabia o que faziam ali. Suspeitei da minha travessa loba interior, ainda bem que ela/eu somos delicadas para não destruirmos nenhuma pelúcia. Corri para o banheiro, livrando-me da minha crise de personalidade.

    Dei uma espiada rápida no espelho, eu estava com uma cara ótima para quem havia acabado de lembrar de um momento vergonhoso. Dei de ombros e encostei a porta do banheiro mesmo sabendo que não havia ninguém em casa.

    Tirei a roupa e entrei no box, liguei o chuveiro e logo a água ficou morna; tomei um banho completo com direito a cinco minutos de relaxamento total, tempo que aproveitei para limpar a mente de lobos e me concentrar na noite de hoje.

    Sai do banheiro com uma toalha envolvida no corpo e outra na cabeça, abri meu armário e visualizei todas as roupas. Já havia vários conjuntos jogados na cama quando escolhi um vestido rosa curto, o sapato e a bolsa foram fáceis: um salto alto preto e uma mini-bolsa preta.

    E sem muita enrolação peguei um conjunto rosa de calcinha e sutiã. Antes de começar a me trocar, organizei tudo o mais rápido possível... Tia Ju adorava as coisas arrumadas.

    Eram sete e dez quando terminei de me aprontar, parei na frente do espelho de corpo, que ficava do lado do armário, eu estava bonita.

    O vestido realçou minhas curvas e o pouco de bunda que tenho, empinei o nariz ao perceber que meus seios médios não precisavam de destaque, gosto deles desse tamanho. Estava arrumando a única alça do vestido quando percebi que meu cabelo estava diferente, de um jeito bom, mais brilhante e menos armado, e talvez um pouco mais escuro.

    Já achava preto uma cor bem forte, mas hoje ele parecia ainda mais intenso. Enrolei uma mecha de cabelo no dedo, então era isso o que Judely queria dizer com alguns milagres que a vida selvagem podia oferecer?

    Olhei com atenção para o meu reflexo no espelho... Kristine ou loba, o que eu gostava mais? Suspirei, a resposta era óbvia: ser eu mesmo era o que mais desejava.

    *

    Ríamos dos comentários maldosos de Vivian, estávamos sentadas em uma mesa do canto, o restaurante não estava muito cheio o que era um milagre para uma noite de sexta-feira.

    - Mas vocês tinham que ver a cara que ela fez quando o professor disse ?Perfeito, Vivian!? - ela disse jogando o cabelo loiro para trás.

    - Foi uma cara assim? - Amy fez uma cara de ?quem comeu e não gostou? seguida de uma revirada de olhos.

    Demos mais uma boa gargalhada, parei com um suspiro e não contive um sorriso, as duas sempre conseguiam me animar. Vivian tem um estilo de mulher poderosa e indomável, eu ainda não sabia como o Denis, seu namorado, conseguira fisgá-la.

    Já Amy tinha mais o jeito de garota fofa e gentil, ela não tem namorado, mas para mim isso se deve ao fato de que a mesma anda se concentrando bastante nos estudos. Bem que eu gostaria que o meu caso fosse o mesmo, mas a minha história é bem mais complexa... Minha tia dizia que mulheres-lobas são mais complicadas do que mulheres normais grávidas.

    Vivian sempre diz que seu namorado a leva às alturas, sempre quis experimentar essa sensação. Suspirei, entretanto nenhuma das duas notou, estavam muito ligadas na televisão... Estúpida novela das oito.

    Olhei para as minhas mãos, imaginando como minha vida seria se eu fosse normal, tivesse um namorado e pudesse fazer em paz a minha faculdade para um dia me tornar uma ótima engenheira.

    Isso é mesmo seu sonho?

    A voz de Judely surgiu em minha mente e logo seu rosto também.

    Mesmo que seja, eu receio dizer, querida, que isso não seja possível... Não há como negar o que você é.

    Eu sei, respondi a minha própria cabeça.

    Minha querida, eu sei que um dia você entenderá... Enquanto esse dia não chegar, relaxe e tente ouvir seu coração.

    A figura de Tia Ju foi escurecendo e a última coisa que eu vi foi o seu sorriso, ela tinha lindos dentes brancos... Um beneficio de ser como nós.

    Olhei para frente, as duas ainda estavam concentradas na novela, deu uma espiada na tela e observei que alguém havia sido sequestrado. Depois, visualizei a cara de surpresa das duas, contive um riso, era a essa vida que eu pertencia, não àquela outra cheia de selvageria e nudismo. Estremeci e balancei a cabeça para esquecer o ocorrido de hoje.

    - Kristy? - Amy me fitou com seus pequenos olhos marrom-avermelhados.

    - Está tudo bem? - Vivian virou um pouco a cabeça em um sinal de preocupação.

    A novela havia acabado ou estava no comercial.

    - Estou bem. - tirei um fio de cabelo que caiu em meu olho.

    Percebi a insegurança das duas pelo olhar, dei um largo sorriso que foi o suficiente para convencê-las. Senti uma pontada no peito ao pensar que eu nunca poderei contar a verdade para elas. Ainda bem que Marcos, o garçom, chegou com os nossos pedidos.

    *

    Assim que terminamos de comer, pedimos o cardápio de sobremesas.

    - Ele é lindo. - Vivian mordeu o lábio e deu uma olhada nas costas largas de Marcos. - Não para mim claro... Mas eu adoraria ver minhas amigas comprometidas. - piscou para mim.

    - Um pedaço de mal caminho. - brinquei.

    Vivian cutucou Amy com o cotovelo.

    - Eu sei que você reparou nos olhos dele.

    - E como não olhar pra esses olhos verdes tão intensos? - Amy corou de leve.

    - Me parece que para você não são só os olhos que são intensos. - afirmei enquanto fingia estar concentrada no cardápio a minha frente.

    De canto de olho, pude ver Amy me fuzilar com seu olhar.

    - Não se faça de santa! - ela exclamou enquanto Vivian puxava o meu cardápio para ver minha cara de boba.

    - O que eu fiz? - dei o sorriso mais inocente que consegui.

    Elas se entreolharam e depois me deram um olhar malicioso com um biquinho.

    - Não olhou nada mesmo? - Amy deu uma leve olhada na direção de Marcos que, por sinal, havia acabado de passar.

    Ruborizei ao lembrar que eu havia, sim, olhada alguma coisa naquele pedaço de mal caminho. Soltei um risinho e depois mordi o lábio inferior.

    - Talvez eu tenha dado uma olhadinha na bunda dele. - admiti.

    - Olhadinha? - Vivian deu risada, depois colocou as duas mãos na mesa e levantou um pouco o corpo. - Olhe bem nos meus olhos e me diga a sua análise das nádegas do sujeito.

    Olhei para Amy procurando ajuda, mas ela me incentivou com um sorriso e

    um aceno.

    - Err... Elas são grandes e me parecem durinhas. - comentei.

    Eu sabia que isso não seria o suficiente, ainda mais porque ambas me conhecem há um bom tempo.

    - Só isso? - Vivian apontou as compridas unhas azuis para mim. - Não minta pra mim, tarada por bundas.

    - Eu adoro esse apelido. - Amy deu uma gargalhada. - Desculpa... Podem prosseguir.

    Voltei a encarar Vivian que espremia os olhos tentando colocar pressão em mim. Coitada dela que não sabia que isso não era ameaça nenhuma para mim.

    - Vocês querem um relatório detalhado? - sorri maliciosamente, apoiei os cotovelos na mesa e depois o queixo nas mãos.

    - É claro que queremos! - Vivian parecia uma criança que havia acabado de ganhar um doce.

    - Tudo bem, mas prestem atenção porque só vou falar uma única vez. - olhei mais uma vez para as nádegas do garçom e deu uma última avaliada.

    - Pode começar. - Amy se remexeu na cadeira, parecendo ansiosa.

    - Bom, ele tem mesmo uma bunda grande e parece durinha, deve ser maravilhoso apertá-la. - sorri e observei as duas bem atentas. - Mas o que me chamou mais a atenção foi o rebolado dele, é um pouco exagerado e é isso o que faz ser mais atraente.

    Elas concordaram com a cabeça enquanto pensavam nos detalhes do que eu havia falado. Um riso escapou de minha boca, era bem interessante o jeito como bundas me atraíam.

    *

    No fim, nem pedimos a sobremesa, descobri que pedir o cardápio havia sido apenas uma armadilha da Vivian para fazer com que eu ou a Amy desencanássemos. Revirei os olhos quando ela me contou isso.

    Sorte dela que ela só havia comentado isso quando já estávamos fora do restaurante, se não eu teria feito ela passar vergonha lá dentro e tenho certeza que Amy me apoiaria.

    - Bom.. Eu vou indo por aqui. - Vivian apontou para a parte norte da cidade. - Vejo vocês duas amanhã? - fez um biquinho.

    - Tudo bem. - Amy acenou. - Até amanhã. - jogou um beijo para a amiga.

    - Tome cuidado, se precisar pode ligar. - falei acenando. - Eu te ligo amanhã.

    Assim que Vivian deu às costas, eu e Amy seguimos nosso caminho, nossas casas ficavam na parte sul da cidade, só que a minha era para a esquerda e a dela para a direita.

    Já Vivian morava na parte nobre da cidade, seus pais eram ricos e mesmo assim ela sempre fora humilde, isso era o que eu mais gostava nela... A verdadeira essência de amiga.

    - Hora da despedida. - Amy mostrou a língua. - Eu vou por aqui, se cuide. - acenou e virou para a direita.

    - Até. - acenei e dei um pequeno sorriso, depois me virei e segui meu caminho.

    A minha casa e a de Amy não eram muito diferentes: uma sala, uma cozinha, um banheiro, uma suíte e um quarto. Os nossos salários cobriam as despesas, na verdade, eu estava precisando de um emprego novo, havia sido demitida do último... Tantos problemas na minha vida e agora ainda tinha que lidar com as minhas loucas transformações.

    Estava passando por um parquinho abandonado quando ouvi um ruído estranho, com cautela segui a minha audição e me deparei com um filhote de cachorro encolhido embaixo de um banco. Ele tremia e choramingava, encolheu-se mais ainda quando me viu, tentei tranquilizá-lo, mas pude sentir seu coraçãozinho disparar.

    - Ei, pequeno. - estendi a mão para que ele a cheirasse. - Não vou te machucar. - disse suavemente.

    O animal olhou em meus olhos e foi então que ganhei sua confiança, devagar ele se levantou e caminhou até meus braços. Peguei-o no colo e lhe fiz um carinho, quase pude ouvir ele ronronar.

    Descobri que havia acabado de cometer um grande erro, porém foi tarde demais. Caí de joelhos no chão, o filhote correu assustado, minha visão começou a mudar e eu sabia que aquilo era o começo.

    Minhas costas se arquearam contra a minha vontade, tombei de lado, sentia pontadas por todo o corpo. Queria gritar, mas isso só chamaria atenção de estranhos que fugiriam assim que vissem uma garota se transformar em loba. Apertei os punhos, tentando manter minha forma original, meus músculos se contraíram enquanto eu fazia um enorme esforço para levantar.

    Soquei o chão, frustrada, eu ia mesmo perder o controle? Parecia que sim, no lugar de minhas mãos, patas e garras surgiam, rosnei... Ótimo, agora estava ficando mais selvagem. Senti uma última sequência de pontadas pelo corpo antes de me transformar por completo.

    Minha respiração estava ofegante, sempre fora difícil essa mudança, mas hoje foi insuportavelmente pior. Ninguém em volta, pelo menos isso a meu favor, seria problemático se algum humano tivesse visto essa cena de horror. Observei o local, o cachorrinho não estava mais ali, seu cheiro estava impregnado nos trapos que um dia foram o meu vestido... Ainda bem que não era o meu favorito.

    Como sempre, corri até Trevarch que era o lugar mais seguro para um lobo, a última coisa que eu queria era ser caçada ou vista como uma ameaça.

    Logo, eu já estava dentro da mata, avancei sem prestar atenção em nada, só parei quando o cheiro de humanos invadiu minha narina. Farejei um pouco e constatei que era uma garota e um garoto, talvez um casal ou só amigos. Quis dar de ombros, porém isso é bem estranho quando se é um animal.

    Ignorei o fato de pessoas normais terem entrado na floresta para dar espaço a mais uma sensação selvagem, eu sabia que a montanha estava bem próxima, meu passatempo era subi-la quando eu era pequena.

    Meus pelos se eriçaram, uma brisa atravessou minha cara convidando-me a aventura, ergui a cabeça e vi a lua... Mais um erro. Senti as garras pressionarem a terra, minhas orelhas e narina ficarem mais sensíveis e meus dentes mais afiados. Eu tinha de subir a montanha, tinha de uivar de lá de cima mais uma vez, tinha de me sentir livre.

    Sem mais demora, disparei na direção da subida, sabendo onde era mais fácil de subir logo cheguei ao topo, que não era muito alto, mas proporcionava a melhor vista de todas. Fiquei bem na ponta, deixando o vento balançar meus pelos, observei a lua mais uma vez antes de fechar os olhos e uivar.

    *

    Demorou mais ou menos meia hora para que eu conseguisse voltar ao normal, quando finalmente aconteceu, corri até a caverna, eu conhecia o caminho tão bem que não precisava de meus sentidos para achá-la.

    Peguei mais um casaco, dessa vez um bem grande e preto, depois contei os outros e notei que ainda teria roupas para mais oito transformações. Logo após sair da caverna, ouvi um barulho, na verdade eram risadinhas. Bufei, um casal apaixonado, só podia ser isso.

    Avancei pela mata, querendo sair da floresta o mais rápido possível, tudo o que eu não precisava era ser vista desse modo.

    Assim que estava fora de Trevarch, respirei fundo e me lembrei que havia deixado a bolsa no local da minha derrota. Com passos rápidos, porém pequenos, cheguei até o parquinho, minhas coisas e meus trapos de roupas ainda estavam lá.

    Peguei minha bolsa e enfiei os trapos nela, não que eu fosse tentar consertar, mas alguém poderia achar isso e sabe-se lá o que iam falar na mídia. E o salto alto, decidi levá-lo na mão.

    Andei devagar até em casa, minha mente parecia não estar em meu corpo, que estava pesado. Parei por um tempo e fitei o céu, várias estrelas e uma lua bem chamativa, cerrei os dentes... Odiava sentir essa sensação, essa felicidade que me possuía depois de me transformar.

    Apertei os punhos e os coloquei em meu peito, não conseguia entender o que estava acontecendo comigo. Eu lutei tanto por essa vida normal e agora que eu mais precisava de controle, meu mundo havia desabado e eu não tinha mais a minha tia para me ajudar.

    Senti uma lágrima escorrer pela bochecha... Tinha certeza que começaria a chorar, porém um cheiro muito conhecido por mim se aproximou. Levantei o rosto, limpei a lágrima e me virei, deparando-me com um rosto familiar de Jennifer Falter. Ótimo, minha noite não poderia ficar melhor.

    - Ai meu Deus! - Jennifer estava boquiaberta. - Eu sabia que você era esquisita, mas andar no meio da noite desse jeito? - apontou para mim.

    Melhor assim do que pelada, eu queria dizer, mas me contive e suspirei antes de respondê-la.

    - Eu queria ver como era sair com essa casaco.

    Ela começou a rir e eu sabia que eu poderia silenciá-la sem muito esforço. Jennifer podia ser mais alta do que eu, porém era magra e fraca, além de que eu tinha minha selvageria para me ajudar... Argh, não acredito que disse isso!

    - Isso é cômico! - ela parou de rir aos poucos. - De verdade, eu não sei o que os garotos vêm em você.

    É, eu também gostaria de saber visto que a maioria deles me olha como se eu estivesse no cio constantemente. Virei as costas e sai, deixei Jennifer falando sozinha, bracejando sobre como eu era covarde e mal educada por deixá-la desse jeito.

    Levantei a mão e lhe mostrei o dedo do meio, era o mais agradável que eu conseguia ser no momento.

    *

    Cheguei em casa com a cabeça prestes a estourar... Eu pensava em tudo: Amy, Vivian, eu-Kristine, eu-loba, Trevarch, lua, Jennifer, cachorrinho perdido, casaco, meu trapo de vestido. Sentei com força no sofá e joguei todo o peso do corpo para trás, senti meu casaco se abrir, nem me importei em fechá-lo, ninguém iria me ver assim mesmo.

    Fiquei um tempo ali, olhando para o teto, imaginando o que poderia acontecer de agora em diante. Se as coisas continuassem como estavam, logo eu não teria mais controle nenhum... As minhas opções eram tentar retomar o controle ou me mudar e morar em um lugar bem longe da civilização.

    A segunda opção era tão surreal para mim que comecei a rir, depois recobrei o pouco de juízo que me restava e levantei, arrastei-me até o meu quarto e coloquei meu pijama de frio.

    Antes de me deitar, olhei-me no espelho do banheiro enquanto escovava os dentes, agora até o azul escuro dos meus olhos estava mais intenso. Saí do banheiro com calma e aproveitei para arrumar a pilha de bichinhos que ainda estavam jogados no chão.

    O último de todos era o meu preferido, um lindo tigre dente-de-sabre presente de Bryan, meu melhor amigo. Fui pra cama com a pelúcia, coloquei-o ao meu lado e o observei, era tão fofo e significava tanto para mim. Bryan significa muito para mim.

    Fechei os olhos e lembrei-me da época em que nós namorávamos, era tudo tão perfeito, contudo tivemos de terminar... Meus segredos estavam me matando, ter de mentir para ele sobre a minha verdadeira natureza era horrível.

    Abri os olhos como se tivesse acabado de sair de um pesadelo, passei a mão pelo tigre sentindo o pelo falso do bichinho... Eu gostava tanto quando eu e Tia Ju íamos dar uma volta pela floresta, o pelo dela era tão gostoso e real. Um sorriso brotou em meus lábios quando lembrei do dia em que Judely me aprovara como loba completa.

    Kristine, estou orgulhosa, você conseguiu aprender tudo bem rápido. Contudo, você nunca poderá esquecer as regras que eu te falei, lembre-se que todas são de igual importância.

    Primeira, fazer de tudo para não se transformar em público; Segunda, nunca morder ou atacar um humano (a não ser em legitima defesa); Terceira, sempre ter uma roupa por perto quando for voltar a forma humana; Quarta, só transformar alguém se for realmente necessário; Quinta, nunca contar algo à pessoas que não sejam da nossa espécie.

    Não sei se era bom ou ruim, mas eu sempre fui fiel às regras de minha tia... Mesmo quando meu coração quase quebrou ao terminar com Bryan. Imagino e espero que eu já tenha superado tudo isso, pelo menos era isso que aparentava visto que havíamos voltado ao status de melhores amigos.

    Já estava preparada para tentar parar de pensar quando a campainha tocou, levantei em um pulo e fui ver quem era. Nem precisei abrir a porta para saber quem estava ali, seu cheiro era doce como mel.

    Abri e o recebi com um sorriso fraco, como não era bobo, ele percebeu que algo estava errado e antes que se atrevesse a dizer algo me adiantei.

    - Eu estou bem...

    - Mentirosa. - ele disse ao me empurrar para dentro.

    Ele fechou a porta e me puxou até o sofá, nos sentamos um do lado do outro e então ele levantou meu queixo e me fez olhar em seus olhos caramelos. Ah, esses olhos que me prenderam por tanto anos. Bryan Hall, o que você está fazendo no meu sofá a essa hora da noite?


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