Vocaloid - Abstract Nonsense

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    18
    Capítulos:

    Capítulo 3

    Covarde

    Álcool, Drogas, Estupro, Linguagem Imprópria, Nudez, Suicídio, Violência

    Oiii gente! Desculpa pelo atraso. Não esqueçam de ler as notas finais. Tem coisa importante lá.

    ? Psst, Rin. ? cochicha alguém atrás de mim. Me viro e respondo, irritada, para o garoto de pele branca, cabelos castanhos e olhos verdes:

    ? O que foi?! ? cochicho, tentando fazer com que o professor não perceba a conversa. ? O sensei está explicando matéria de prova!

    ? Quer sair comigo para ver O Mar de Monstros no cinema amanhã? Sessão das sete? Eu e você, e depois vamos jantar em algum lugar. Eu pago tudo.

    ?Não.?, eu queria responder. Pois já tenho planos para amanhã às sete. Talvez uma sessão de fotografias ensanguentadas para uma matéria no jornal ?EXTRA! EXTRA! A CANTORA RIN KAGAMINE ESTÁ MORTA! SUSPEITA-SE DE SUICÍDIO POR CAUSA DE DIVERSOS CRETINOS QUE FUDERAM COM SUA VIDA! MAIS DETALHES NA PÁGINA 7?.

    Sim. Vou fazer isso. Às vezes o melhor jeito de se livrar de um problema é cair fora. Eu poderia mudar de escola, fugir de casa, sei lá, mas é difícil adquirir uma nova personalidade ou tentar viver de outro jeito sendo uma estrela da música pop conhecida em todo o mundo. Então, o único lugar que posso fugir é o próprio mundo. Fugir... no fundo, é isso que eu vou fazer, não é mesmo? É o que todos fazem. Todo mundo foge de alguma coisa. Somos todos covardes, tentando nos esconder de nossos próprios problemas. No fundo, tudo que eu sou é uma covarde. Finjo ser de um jeito quando sou diferente disso porque tenho medo de não ser aceita. Saí de casa ontem para fugir de um confronto com a minha mãe. Agora, vou me matar para fugir do destino que eu tracei para mim mesma: viver escondida na sombra da minha própria ilusão.

    Mas o que devo fazer em relação ao garoto que está me chamando para um encontro? Não vou deixar ninguém perceber o que estou planejando para as pessoas não tentarem me impedir. Vou ser uma ilusão, uma farsa, até o final? Acho que é o melhor a fazer. Esse mundo está afundando, e a humanidade com ele. As pessoas estão se tornando cada vez mais falsas, mais corruptas e egoístas. Não sobrará nada do que antigamente era um coração. Não que antes as pessoas fossem melhores. Seres humanos sempre pertenceram a uma raça de pura maldade. A Idade Média, por exemplo. Eles tinham toda uma crença em Deus, na bondade, essas coisas, mas qual eram algumas de suas diversões? Ver cachorros dilacerando ursos. Humilhar e ferir os que foram presos pela lei. Ver os condenados serem torturados e executados. A caça às bruxas, então? Nada poderia ter sido mais cruel do que o que fizeram com elas, seres humanos como os torturadores e carrascos.

    A raça humana é o pior veneno que a Terra poderia dar a si mesma. Além de guerrear contra o próprio lar, ainda guerreiam entre si mesmos. O ser humano é desprezível. Eu tenho vergonha de ser um deles.

    ? E então? ? pergunta o garoto, impaciente, me despertando de meus pensamentos.

    ? Claro. ? respondo, me mascarando novamente com um sorriso luminoso. Bom, esse garoto vai ter uma bela surpresa ao não ter que pagar meu ingresso, pipoca e jantar. Talvez ele fique feliz.

    ? Ótimo. ? ele pisca para mim, e anota algo num papel, que passa para mim. Depois, olha para a lousa e continua anotando o conteúdo da prova. Olho o papel, que está escrito:

    Me liga si tiver augum problema ou si

    Quizer combinar auguma outra coisa.

    Tel. Nakio: 9724-8652

    Hum. Então o nome dele é Nakio. Ninguém merece, ainda por cima é analfabeto.

    ? ... então é isso, turma. Não se esqueçam de estudar para a prova, porque vou ser bem severo. ? conclui o professor. Ele sai da sala e a professora de química entra na sala. A hora seguinte é puro tédio, e essa professora não ensina nada, só passa uma tabela de explicações complicadíssimas e 5 páginas de lição. Eu não estou entendendo nada. Olha, um mosquito... PERAÍ, JÁ ACABOU?! Bom, então tá, né. Recolho meu material e saio da sala em direção ao corredor. Yagumi e Kyashi faltaram hoje. Com sorte, pegaram uma pneumonia e vão morrer logo mais. Seria bom se elas descobrissem que tem câncer ou algo assim. Não, Rin, pare de pensar isso! Não fique desejando coisas ruins a outras pessoas! Você tem mais coisas com o que se preocupar.

    Deixo alguns materiais no meu armário e levo o resto numa bolsa preta com corações cor de rosa. Depois, pego minha bicicleta e pedalo até em casa. Deixo ela no lado de fora e entro nas pontas dos pés para minha mãe não perceber que eu cheguei.

    A cozinha está desarrumada como sempre, só que dessa vez há muitas e muitas garrafas de saquê vazias espalhadas por aí. Mamãe deve ter exagerado na bebida de novo. Com certeza está dormindo pesadamente na cama do quarto.

    Acho que vou fazer as lições de casa... mas vejo uma faca. Uma enorme e afiada faca de cozinha. Sua lâmina parece tão convidativa, e imagino com deleite o metal rasgando minha pele e o sangue escorrendo como uma fina chuva de outono no vidro de uma janela, meu corpo murchando como uma rosa no inverno... antes que eu perceba, minha mão está envolvendo o cabo com carinho. Olho meu reflexo na lâmina completamente limpa e polida e me surpreendo ao ver um sorriso estampado em meu rosto enquanto uma lágrima desce lavando minha face.

    Viro a lâmina em minha direção. Acaricio-a com afeição. Aquela faca irá satisfazer todos os meus desejos, irá me livrar de todo esse peso. Esse simples metal afiado vai valer mais para mim do que todas as pessoas que já conheci até hoje.

    Encosto a ponta da faca no lado esquerdo do meu peito. Vou atingir diretamente o coração, e não importa a dor que sentirei, vou continuar. Afundo um pouco a lâmina, rasgando o uniforme. Sinto-a acariciar minha pele, e ela parece cada vez mais convidativa...

    Empurro a faca mais fundo, e sinto uma dor quase insuportável quando a lâmina perfura meu seio esquerdo, e reprimo um grito. Não consigo reprimir as lágrimas que agora escorrem compulsivamente pelo meu rosto. Dói demais.

    Não posso desistir. Eu decidi fazer isso, e agora vou fazer. Empurro ainda mais a faca e com mais força. Agora, metade da lâmina está enfiada em meu peito, e o sangue escorre com vontade, manchando meu uniforme branco e escorrendo, fazendo pequenas poças no chão de azulejo. Está doendo demais. Demais. Não vou conseguir.

    Eu tenho que conseguir, lembro a mim mesma. Enfio a faca mais fundo, e a dor de antes parece uma picada de agulha comparada ao que sinto agora. A faca está completamente enfiada, mas não é comprida o suficiente para que atinja o coração.

    Me deixo cair no chão, e não sinto mais nada além da dor insuportável. Tudo que eu tenho que fazer para isso passar é enfiar a faca no meu corpo novamente, novamente e novamente, até morrer. Pego a faca e a encaro, enquanto soluço debilmente. Não. Não posso fazer isso. É doloroso demais. Largo a faca ao meu lado e olho para cima, e vejo o telefone. Me arrastando como um mendigo, chego à cômoda, deixando um rastro de sangue para trás. Estico a mão e pego o telefone. O movimento só me causa mais dor, mas perdi sangue demais e estou muito fraca para gritar. Disco o número do hospital, e grito:

    ? POR FAVOR! VENHAM AQUI! EU VOU MORRER! EU... ? a dor me para, e eu tusso um pouco e fico enjoada ao ver o sangue que saiu da minha garganta machucada. ? Mandem uma ambulância... ? digo, lutando para não desmaiar. Digo meu endereço e então meus olhos começam a se fechar contra a minha vontade. O telefone cai no chão e se espatifa em mil pedaços. Estendo a mão para o alto, tentando me agarrar algo que não consigo alcançar. Tudo fica escuro e minha mão pende ao meu lado como um galho quebrado.

    Acordo um tempo depois com o som de passos apressados e gritos frenéticos. Abro os olhos levemente e percebo que estou deitada numa maca que está andando com velocidade enquanto médicos com máscaras e toucas mechem em aparelhos estranhos, gritam uns com os outros e cutucam e mechem no meu ferimento. Eles dizem muitas palavras, mas não consigo entender o que estão dizendo. Capto as palavras ?doador?, ?sangue?, ?Len Kagamine? e ?morrer?. Não entendo o que eles estão tentando transmitir e não quero. Olho para o lado e consigo ver meu reflexo no vidro de uma janela.

    ?Parabéns, Rin.? Penso, enquanto encaro com amargura o reflexo de uma garota de cabelos lisos e loiros, olhos claros e pele pálida que eu acho que sou eu. ?Você é uma covarde idiota.?


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