Olá!
A música deste capítulo é Pieces - RED (Deixarei postada nas notas e se possível escutem ela enquanto leem)
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Bom, é isso aew!
Boa leitura!
Na cozinha, a jovem frente ao fogão, imergia em seus devaneios enquanto preparava o almoço e olhava pela janela, observando a chuva cair e o mundo que havia além daquela casa:
? Sakura-chan?! Venha cá minha neta! ? chamou-a a senhora de aparentemente quase setenta anos, tirando-lhe de seus pensamentos.
? Estou indo vovó! ? avisou a moça diminuindo o fogo e tapando algumas panelas. ? Pronto! ? exclamou tirando o avental, o colocando sobre a mesa e secando as mãos com um pano de prato. ? Do que a senhora precisa? ? indagou aproximando-se da avó que estava sentada em sua cadeira de balanço a costurar.
? Pegue este pedaço de linha e o atravesse na fenda da agulha para mim? ? pediu a velhinha estendendo-os sobre suas mãos.
? Sim, avozinha! ? acatou a neta sorrindo simpática. O fez rapidamente e logo em seguida: ? Prontinho, aqui está! ? disse a entregando.
? Obrigada, querida! ? agradeceu-a. ? Foi-se a época em que sua avó podia ao menos atravessar a linha em uma agulha sem ajuda! ? desabafou com um ar tristonho e cansado.
? Que nada vovó! É normal que com o passar do tempo os anos pesem muito, porém a senhora está muito bem para a idade que tem! ? a jovem tentou animar a avó que aparentava deprimida e voltou para ao redor do fogão, precisava terminar o preparo do almoço.
Novamente frente à janela, observar a chuva melancólica a cair lá fora, não havia flores naquele jardim empobrecido, apenas lama se formava sobre os falhos da grama, era tudo tão descolorido, mórbido e silencioso. A jovem voltou para os seus devaneios enquanto terminava de fazer a comida e observava o mundo limitado ao horizonte que seus olhos dali podiam alcançar.
Quase uma hora se passou, já haviam almoçado, estava juntando a louça e limpando a mesa, sua avó sentada estava na cadeira de balanço novamente a costurar. Ouviu-se então o telefone tocar:
? Deixe que eu atendo! ? alertou Sakura enxugando as mãos e dirigindo-se rumo ao aparelho. ? Pronto?! ? inquiriu suavemente, encostando o telefone na orelha.
? Olá florzinha, tudo bem com você? ? perguntou a voz do outro lado da linha.
? Quem está falando? ? ela indagou não sabendo de quem se tratava.
? Como assim? Já não se lembra mais de mim? ? inquiriu o até então desconhecido, indignado.
? Ah! Lembrei-me! ? proferiu indiferente ao reconhecer a voz. ? Diga o que quer! ? ordenou ríspida.
? É assim que você me trata depois de todo esse tempo distante? Achei que estivesse com saudades! Sinto sua falta também... ? foi interrompido.
? Diga logo o que quer, não tenho o dia todo para falar com você! ? informou áspera.
? Ok! ? ele aceitou sem enrolar. ? Liguei para saber como estão as coisas por aí... Minha mãe está bem? Você não está dando algum trabalho a ela, não é? ? perguntou irônico, mas antes de terminar a interrogação foi interrompido novamente.
? Se você ligou apenas para isso, saiba que está tudo bem! ? afirmou seca.
? Espere... Não foi apenas para isso que eu liguei! ? explicou o homem já irritado. ? Seja educada e me deixe ao menos completar minhas frases sem interrupção, ok? ? indagou impaciente.
? Tudo bem! ? ela cedeu impassível.
? Bem! Vou precisar viajar por um bom tempo para o exterior, para tratar de alguns assuntos, inclusive assuntos seus... Então eu não poderei visitá-las e aquilo que prometi terá de esperar mais um pouco, ok?
? Hum... Já faz anos que fizeste essa promessa! Mais ou menos dias não farão diferença e quanto às visitas, você não faz isso com frequência e não fará falta! ? esclareceu direta.
? Nossa! Assim você me corta o coração! Também te amo, sobrinha querida! ? ironizou. ? Mas enfim, vou estar fora, porém fique tranquila, não deixarei de depositar em sua conta... No entanto as coisas estão complicadas por aqui, então terei que reduzir alguma porcentagem do valor para que eu possa dar conta de continuar mandando-lhe o dinheiro! ? explicou seco.
? Incrível! Da última vez que ligou também dizia isso... Já é uma miséria, sinceramente eu achei que nem tivesse como reduzir ainda mais! ? desabafou indignada. ? Espero que ao menos dê para a conta de luz, água e comida! ? exclamou conformada.
? Ai, ai... Não precisa desse drama, aliás, nem é tão pouco assim! ? retrucou entediado. ? Vocês são apenas duas e entenda que é necessário, do contrário não darei conta... Enfim, preciso desligar!? despediu-se rispidamente.
Com o telefone mudo em mãos ela o colocou delicadamente no seu devido lugar, caminhou até a pia da cozinha para terminar de lavar a louça e novamente se afundou em seus pensamentos.
? Impossível! Pensei que não pudesse piorar, porém como a vida não foi com a minha cara, o que posso eu fazer? ? se martirizava, tentando se conformar.
(...)
O tempo passou e no outono daquele ano vovó adoeceu. Os remédios eram caros, eu tinha que controlar os gastos até mesmo da alimentação. Meu tio não havia voltado de viagem na data que me dissera. Sempre quando ligava para poder perguntar-lhe quando viria, a ligação caía na caixa postal e ele sempre mandava recados pela mesma dizendo que estava muito ocupado...
Assim foram os meus dias, cuidando dela e dos afazeres domésticos...
Então o final daquela estação chegou e vovó que até o momento tentava parecer bem para me livrar um pouco dos pesos que eu carregava, só piorou!
Entristecida, ela relatava sobre sua vida difícil nas páginas do diário simples.
O dia amanheceu chuvoso, o vento forte abriu a janela do quarto da senhora e fez com que a menina que dormia sentada na poltrona ao lado da cama da avó despertasse assustada, em seguida levantou-se para fechá-la e ao olhar para o céu cinzento sentiu a angústia apertar o peito, afinal era o fim do outono... Uma data que lhe trazia a tristeza em suas lembranças.
? Será esse um mau presságio?! ? balançou negativamente a cabeça, tentando se livrar de pensamentos inoportunos. ? Oh Deus! Tenha piedade de minha avó e de mim também! ? pensou e suspirou deprimida.
Preocupada, a menina ligou para o médico, porém com o temporal que caía lá fora, só conseguiu ouvir um ?sinto muito? do mesmo que cuidava de sua avó. No número de emergência ninguém atendia também.
Ela caminhou até a beira da cama colocando as mãos sobre a testa da velhinha que queimava de febre, fazendo com que se retirasse por alguns momentos do quarto para que pudesse deixar o desespero tomar conta de sua face. Queria demonstrar controle e confortar a avozinha doente, mas não podia fazer mais do que lhe medicar, pois já não estava se alimentando direito e assistir a sua querida avó perdendo aos poucos a luz de seu olhar sem poder remediar, era torturante.
Seguiu até o armário onde ficavam os remédios, pegou as devidas medicações e levou-as até o quarto sob uma bandeja, medicou-a e sentou-se novamente ao lado dela. Permaneceu da manhã ao meio da tarde no quarto com a idosa, não havia conseguido comer nada o dia todo.
Chegou às dezesseis horas daquele dia, a chuva já começava a diminuir, porém a estrada de terra que dava acesso a casa no meio do campo, estava extremamente lamacenta. Levantou-se, indo em direção à senhora para medir-lhe a temperatura novamente, debruçou-se e quando tocou sua mão sobre a face da mesma, não pôde evitar lágrimas involuntárias percorrerem seu rosto até alcançarem a ponta de seu nariz, respingando sobre o rosto que agora estava gélido. Paralisada, após alguns segundos, colocou a cabeça sobre o peito da velha senhora, encostando o ouvido para ouvir as batidas do coração que já estavam lentas. Logo saiu correndo em direção ao telefone, ligando novamente para o médico.
Ela suplicou a ele, para que o mesmo fosse até lá o mais rápido possível, ou que mandasse alguém para levá-la ao hospital, porém o médico não quis enfrentar a perigosa estrada alagada e com as trovoadas que a pouco havia começado era muito arriscado ir para o campo. O telefone da ambulância permanecia fora do ar.
Com os olhos cheios de lágrimas e indignação ela colocou o telefone no gancho e voltou para o quarto. Sentou-se ao lado da avó outra vez e pôs-se a chorar! Chorava desesperadamente, perdida em seus pensamentos...
? Como posso ser tão incapaz? Dói demais sentir-se tão inútil... Ver a vida de alguém se esvair diante dos teus olhos e não poder fazer absolutamente nada. Eu me odeio com todas as minhas forças, eu odeio a todos, odeio esse mundo inteiro! ? desabafou mentalmente em meio aos soluços.
O relógio já apontava às dezessete horas e aquela tarde de céu cinzento já aparentava noite. Então sua avó abriu os olhos e olhou-a com dificuldade, notou os olhos vermelhos e inchados da neta:
? N-Não... Chore! ? pediu pausadamente. ? E-Eu... Te... Amo! ? contou a velhinha entendendo a expressão da neta culpando a si mesma.
? Não se esforce vovó! ? pediu a neta para que a senhora poupasse suas forças que já eram mínimas. ? Eu também te amo!
? E-Está tudo b-bem... Minha flor de c-cerejeira! ? exclamou vagarosamente. ? S-Só quero que n-não importa o que a-aconteça, você s-saiba que... E-Essa velha aqui sempre te amou e s-sempre irá te amar e... ? declarou dando uma pausa para um suspiro. ? N-Não quero te ver triste... Quero q-que seja feliz! ? confessou quase como em um sussurro e reuniu forças para dar-lhe um pequeno sorriso sincero.
Com o gesto, a menina pegou a mão de sua avó segurando-a entre as suas, aproximou seu rosto e encostou-o na mesma e os prantos inundaram seus olhos outra vez. Após poucos minutos debruçada com o rosto encostado à mão da velha senhora, sentiu a mesma relaxar. Ergueu-se novamente para olhar a velhinha e de repente as lágrimas, implacáveis, verteram violentamente de seus olhos verdes, ao vê-la de olhos fechados, já sem vida:
? Vovó, não, por favor... Não me deixe! ? implorava desolada em meio ao choro e soluços.
Repetia a mesma frase, sempre suplicando, até que seus gritos cessaram e sua mente então foi invadida por todas as lembranças de sua triste vida:
? O meu mundo desabando novamente... Por que Deus, por quê?! ? perguntou-se inconsolável. ? O que eu fiz nessa vida para merecer tudo isso? Pelo o que estou pagando? ? finalizou silenciando-se e olhando distante.
A partir daquele momento, mergulharia profundamente em suas recordações...
Era o fim do outono, meus pais haviam saído em uma viagem a qual não retornariam nunca mais. Eu e minha boneca, sentadas no banco traseiro de um carro enorme, vestidas de preto, estávamos indo em direção ao local que disseram que mamãe e papai estavam... Eu achava que estavam a minha espera com o meu presente adiantado de aniversário... O que me dariam pelos meus futuros sete anos?
Ao chegarmos ao lugar, era tão triste, todos estavam tristes, o céu estava triste e cinzento também, a chuva terna era triste e fria. Tudo estava tristonho, olhei para minha boneca e ela também não parecia estar feliz.
Então veio até a mim aquele homem me dizendo que papai e mamãe haviam feito uma viagem sem volta e que daquele dia em diante eu não poderia vê-los nunca mais. Disse que estavam em um lugar muito distante do nosso mundo, porém logo avistei-os deitados, estavam dormindo dentro de caixas que se assemelhavam à caixinha que viera dentro minha boneca.
Como podiam estar distantes do nosso mundo se eu podia vê-los ali tão perto? Ele então me explicou que esse outro mundo não era material, apenas as almas das pessoas reinavam sobre ele.
De repente chegou uma senhora e ríspida me disse que estavam mortos, que já não possuíam mais vida, que jamais voltariam e que eu deveria ser forte e me conformar. Naquele momento, lágrimas escorreram em meu rosto olhando-a chocada, sem pestanejar.
No início me sentia rejeitada por ela, mas com o passar do tempo fui me acostumando ao seu jeito estranho e me apegando cada vez mais. Sempre tentava ser uma boa neta, dando o melhor de mim, ajudando-a em tudo o que podia. Queria que ela algum dia se orgulhasse de mim.
Não frequentava a escola, estudava em casa. Meu tio que na época havia assumido os negócios de meus pais ao menos supria nossas despesas e podíamos pagar uma professora particular. Eu me dedicava muito, era uma excelente aluna.
Adorava passar as minhas tardes livres mergulhada em livros, também me interessava por música, que era uma das paixões de minha avó, especialmente o piano e o violino, aprendi a tocá-los com êxito.
Aos poucos fui destruindo as barreiras que existiam entre nós e fui sendo reconhecida por ela, nos tornamos mais próximas.
Durante todos esses anos o meu mundo limitou-se ao horizonte atrás das montanhas que meus olhos podiam alcançar da janela da casa não muito grande, no entanto rústica, tradicional e simples na qual morávamos.
Já estava amanhecendo e na mesma posição estava a jovem com olheiras profundas. Não pregara os olhos a noite toda, os quais estavam vermelhos e inchados. Olhou pela janela e notou que a chuva havia dado uma trégua, depositou cuidadosamente a mão fria da velhinha que segurava sobre seu peito, levantou-se e dirigiu-se ao telefone.
Ligou para o tio deixando uma mensagem para o mesmo que como de costume tinha o telefone desligado. Ligou para a ambulância que agora tinha o telefone funcionando, chamou uma e assim que desligou o aparelho o mesmo tocou. Era o médico da avó ligando, dizendo que já estava a caminho, porém Sakura com muita dor e ódio na voz lhe informou do ocorrido e disse que não havia mais a necessidade do mesmo ir até lá, assim desligando o telefone na cara do homem.
(...)
Passaram-se alguns dias...
Era uma fria tarde de céu cinzento, um triste início de inverno. Através das janelas embaçadas do veículo o mundo parecia correr ao seu redor, no entanto, era ela que estava em movimento.
Novamente dentro de um carro, porém desta vez sem a companhia de minha boneca, indo em direção a esse lugar lúgubre.
Quando meus pais se foram, essa senhora pegou-me rudemente pelo pulso, que de tão magro dava impressão de que poderia se quebrar a qualquer apertada e me levou consigo. Mas agora saber que estou definitivamente sozinha nesse mundo, dói!
Para que nos apegarmos às pessoas se podemos perdê-las a qualquer instante?
Porque temos de construir laços afetivos se os mesmos não são eternos e machucam tanto quando se desfazem?
Não quero mais os meus sentimentos, jamais amarei e me apegarei a alguém novamente!
Perdida em seus pensamentos, o carro foi estacionado e a voz masculina tirou-lhe de seus devaneios:
? Chegamos! ? avisou o homem ao volante. ? Vamos! ? disse saindo do automóvel e fechando a porta.
Sakura apenas assentiu com a cabeça, abriu a porta do carro e pôs-se a andar rumo ao velório que não durou muito, seguindo-se logo para o funeral.
Estava parada, acompanhando com os olhos o caixão de sua avó sendo posto dentro da cova, enquanto um pastor ali dizia palavras de conforto para os poucos familiares presentes.
Não pôde conter algumas lágrimas involuntárias e calmas que tranquilamente caíam de seus olhos. Logo já haviam enterrado a velha senhora e na medida em que os minutos passavam, as pessoas apáticas despediam-se e iam embora, até que no fim restou apenas a menina de cabelos rosados e de consternado semblante a observar o túmulo.
De repente a jovem inexpressiva sentiu algo gélido pousar sobre o seu nariz. Olhou para cima e avistou caindo do céu os primeiros flocos de neve daquele triste inverno.