- Nando!? Acorde! Acorde filho.
- Ah! O que? O que foi pai?
- Faz um favor para esse velho cansado? Eu sei que está bem cedo, mas vai à casa do Murilo e pede para ele trazer o meu carro, ele saiu cedo e não voltou. A chave está aqui. ? Tirou a chave do bolso.
Passei a noite acordado, pensando no que aquele cara queria dizer. Faz tantos anos que ele é amigo do meu pai e nunca me disse algo assim. No final da madrugada eu já estava transtornado de tanto pensar, e resolvi dormir. Acho que ele aproveitou essa hora para sair. Por que estou tão pensativo sobre isso? Sinto-me meio esquisito. Tais palavras deveriam ser ditas para uma garota, não para mim. O que ele tem na cabeça?
Murilo foi para casa dele e disse ao meu pai que traria o carro, mas não levou a chave. Aposto que ele esqueceu de propósito. Assim saberia que eu teria que ir até lá depois me constrageria dizendo aquelas coisas. Ele está querendo se divertir com a minha cara e... Eiii!!! Por que eu fico pensando essas coisas, por quê? Ahhhh, que ódio!
Como foi pedido do meu pai eu fui a cara do Murilo, e fui muito bem decidido. Falaria a ele que eu não sou esse tipo de pessoa que ele está pensando, eu gosto de garotas e que ele parasse de falar essas coisas. Onde já se viu? Se ele quer se engraçar com garotos, pode fazer isso, eu não ligo. Mas que não esteja na lista. Fui decidido a esfregar todas estas palavras na cara dele.
Apertei a campainha, mas parecia que não estava funcionando. Gritei umas duas ou três vezes pelo nome dele. Não obtive nenhuma resposta. Tentei abrir o portão e para minha sorte ou azar estava aberto. Dei duas batidas na porta, e a casa continuava em silêncio. Fui até a janela da cozinha, e não vi ninguém, então fui até a janela da sala, e fiquei perplexo com a visão que eu tive. Ele estava dormindo no sofá. Desisti de ficar dando voltas na casa e fui direto tentar abrir a porta, precisava ver aquela cena de perto. Consegui abrir e fui correndo para a sala, querendo chegar de pressa no sofá. Quando cheguei, ele não estava mais lá. Virei para procurá-lo.
- Procurando alguém? ? Murilo estava atrás de mim.
Dei um grito bati nele sem querer.
- Desculpe, não queria te assustar. ? Aquelas palavras ecoaram na minha cabeça.
Em questão de segundos dei uma olhada nele da cabeça aos pés, e nunca tinha reparado como Murilo era bem apessoado. Tinha a pele clara, olhos castanhos claros, parecia ter por volta de 1,86 de altura, um tanto musculoso, usava no momento uma calça jeans preta, estava descalço e sem camisa. Que!!!?????? Como eu pude perceber tudo isso? Ele é homem, ele é homem!!! Logo pensei nas palavras que eu tinha decidido dizer para aquele ser que tanto me perturbava no momento.
Saí do meu momento de hipnose e expliquei o que meu pai me pediu. Ele começou a dizer alguma coisa, mas eu estava muito ocupado em meu pensamento esquematizando como dizer a ele as palavras que eu queria. Já tinha tomado coragem, por que perdi assim, de forma tão banal? Finalmente a coragem voltou.
- Murilo?
- Resolveu me responder? Quando pretende entregar a chave?
- Ahhh sim a chave, desculpe. ? Tirei a chave do bolso e entreguei a ele.
- Obrigado. ? Pegou a chave da minha mão e foi em direção a cozinha.
- Então, eu quero dizer que... ? O segui e comecei meu discurso.
- O que é? ? Pegou um saco de batatas e uma faca.
Comecei a dar rodeios, percebi que realmente não sabia como falar aquilo, não era fácil como eu tinha imaginado.
- Err.. Qual sua idade? ? Fiz uma pergunta qualquer.
- Eu tenho 27. - Começou a descascar as batatas.
- Que??? Você parece ser bem mais novo! ? Fiquei muito espantado.
- Então eu sou velho?
- Não, não é isso. Apenas por sua aparência sempre imaginei que fosse mais jovem. ? Fiquei encabulado.
- Eu fico feliz com isso. Seu pai sempre me diz que pareço mais jovem mesmo, fala que não mudei nada desde quando nos conhecemos. ? Murilo disse tais palavras olhando para o nada.
- Meu pai nunca disse como conheceu você, simplesmente a cinco anos você foi apresentando para mim e Nara, e depois disso passou a frequentar nossa casa, e quando vimos você já era intimo de nós. Como você e meu pai se conheceram Murilo?
Ele parou de descascar as batatas e ficou pensando um pouco. Fechou os olhos e começou a dizer.
- Nunca conheci meus pais, desde que me conheço por gente, eu vivi de um orfanato, e lá nunca me deram informações de quem eram meus pais. Quando sai de lá virei um moleque de rua. Roubava coisas aqui e ali para viver. Com 19 anos conheci Gregori, tentei roubar sua maleta quando passava na rua. E consegui. Tinha pouco dinheiro, mas dava pra comprar comida por uns dias. Certa vez eu precisei fugir da polícia, e todos os outros garotos de rua me deixaram pra traz, não consegui acompanhá-los. Greg apareceu outra vez no meu caminho, me mostrou um esconderijo onde a polícia não me acharia. Era num buraco na parede que tinha num beco. Depois disso ele me alimentou, perguntou meu nome. E conversamos. Eu fiquei fascinado, ele foi a primeira pessoa na vida que não tinha me julgado, me ajudou mesmo eu lhe roubando no passado. Disse que eu teria que me tornar uma pessoa exemplar e que seu conseguisse isso ele ia me apresentar pra família dele. Eu não tinha nada a perder, e aceitei todo o apoio que seu pai tinha para me dar. E finalmente tinha me tornado uma pessoa respeitável. Quando fiz 22 anos ele me levou para conhecer você e Nara, e a partir daí vocês se tornara minha família. ? Depois de contar tudo aquilo, abriu os olhos novamente, estavam vermelhos, mais não chorou, e voltou a descascar batatas.
Eu fiquei pasmo, não sabia o que dizer. Queria dizer alguma palavra para confortá-lo, mas não sabia o que. Meu pensamento mudou na hora, apesar de toda essa história ainda tinha que dizer o que planejei.
- Murilo, tenho que te dizer uma coisa... ? Recomecei meu discurso.
- Acho que você está atrasado para escola.
- Ah sim escola. Espere um pouco, hoje eu tenho prova. Estou atrasado!!! ? Sai sem dizer tchau.
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Consegui chegar a tempo na escola, mas fiquei até mais tarde por culpa do meu atraso e minha nota vermelha na prova. Não consegui me concentrar, Murilo ficou nos meus pensamentos. Não que eu esteja dizendo isso como um garoto apaixonado ou por pena do passado dele, mas eu estava admirado com aquele relato. Senti uma vontade enorme de abraçá-lo. Eu estava tão confuso.
Finalmente meus trabalhos extras acabaram e fui para casa, tinha muita lição de casa. Meu plano era dizer para Nara preparar o jantar e estudar, pois realmente eram muitos meus deveres. Cheguei e não encontrei ninguém. Não era hora de meu pai estar em casa ainda, e Nara devia estar no quarto. Murilo? Imaginei que estivesse na casa dele, pois não vi na garagem o carro do meu pai que ele combinou de trazer.
Deixei minhas coisas no meu quarto, e fui em direção ao quarto da minha irmã. Mas antes de abrir a porta, ouvi algo.
- Eu to cansada de ser evitada por você. Está na hora de eu provar o que sinto.
Meu coração acelerou quando ouvi a voz da minha irmã dizer aquilo, e automaticamente minha mão se moveu par abrir a porta. Nara estava em cima de Murilo segurando seus braços, este que estava deitado na cama dela como se tivesse sido jogado ali. Em reação rápida dei um empurrão nela, que caiu no chão.
- Não encoste essas mãos nele sua idiota. ? Eu estava fervendo de raiva.