Magnólia, seis da manhã.
Lucy tinha pesadas olheiras, o que denunciava sua recém-adquirida personalidade tresnoitada.
Sentada na cadeira da sua ornamentada mesa de madeira, segurava sua xícara, bebendo o café que costumava tomar todos os dias.
Lucy pensava e pensava. Os pensamentos ocuparam todos os cantos do seu cérebro. Ela queria sim mudar de vida, mas era orgulhosa demais para admitir que talvez esteja com medo, e então fugir.
Mas, desde que escolheu quedar-se ali, tinha plena e total ciência dos corolários, sejam bons ou ruins.
Quando Lucy transladou-se da famosa Nova York para viver em um lugar simples como Magnólia, a única coisa que tinha em mente era como a mudança de ares iria lhe fazer bem. Agora via o quanto era inverídico...
Ela levantou-se, deixando a xícara na mesa.
Já pronta para um dia de trabalho, saiu da casa sem olhar para trás.
?ooo?
? Lucy, está tudo bem com você? ? perguntava Juvia, uma das suas amigas.
Juvia era uma garota considerada bonita por muitas outras meninas. E, de fato, era muito vaidosa.
? Lucy!! ? ela gritou no ouvido dela novamente.
Lucy logo piscou os olhos freneticamente, cambaleando.
? O que... Ah, Juvia ? disse ao ver a azulada ao seu lado, visivelmente aflita.
? O que há com você? Está parada na porta do Maid Coffe há mais de dez minutos! O que está havendo?
? N-nada ? gaguejou, entrando. ? Vou me trocar.
Ela dirigiu-se ao toalete feminino.
O Maid Coffe é o maid café em que Lucy trabalha há uma semana. Ao contar sua situação a chefe, Erza, foi imediatamente pactuada. Desde então, Lucy familiarizara-se bastante com aquele local, e com as pessoas que ali trabalham.
A loira saiu do toalete já vestida. Usava o tradicional vestido de empregada, com uma meia-calça preta. Também prendeu seus cabelos com uma fita vermelha, e calçava um salto da mesma cor.
Erza apareceu para saudá-la.
? Lucy! Co... ? Erza calou-se ao ver as espessas olheiras da menina. ? O que houve com você? ? preocupou-se.
Lucy maneou a cabeça em um sinal negativo.
? Não foi nada, Erza. Apenas uma noite mal dormida.
A ruiva franziu a testa, e apenas mandou-lhe um olhar de por que, mas Lucy nada mais disse.
? Tudo bem então... Bom trabalho! ? Erza foi para detrás do balcão.
O sino conectado à porta tocou, indicando que um novo cliente chegou.
Era um homem alto, de cabelos negros e pele alva. Ele vestia uma jaqueta branca sobre uma camisa de mesma cor. Trajava também uma calça parda e tênis de cor preta.
Juvia logo se apressou em atendê-lo; era o primeiro cliente do dia.
Lucy apenas observou a amiga trabalhar. Às vezes, tinha inveja dela. Queria ser assim, alegre e sem angústias, descontraída.
Lucy olhou para sua mão esquerda. Gosta de acreditar que sua vida é tão frágil e desvalorizada quanto as suas mãos. Porém, se por um acaso, perdê-la... Deixará de ser útil para muitas situações. Pelo menos é isso que cogita.
?ooo?
Acabado o expediente, e à noite Lucy estava fatigada.
O que, para ela, foi mais difícil no dia, era fazer com que acreditassem que ela estava bem. Como fizera desde que se mudara.
Agora estava parada em frente à porta da casa, indecisa se entrará ou não.
Por fim, decide entrar, ciente de todos os riscos que certamente enfrentaria.
Entrou e acendeu a luz. Tudo normal, não havia nada excêntrico.
No começo é assim, pensou.
Lucy dirigiu-se a seu quarto. Despiu-se das roupas que usava e envergou um vestido de seda, próprio para dormir.
Como sabia que não conseguiria adormecer agora, sentou-se na cadeira e, sustendo uma folha de papel sobre sua escrivaninha, pôs-se a escrever uma carta:
Mamãe,
Como sinto a sua falta! Desde que fugi da casa do papai tenho sentido saudades de você. Já faz um ano que não tenho notícias suas... O que aconteceu contigo, mamãe?
Eu citei que fugi de Nova York. É verdade. Como disse em outra carta, papai casou-se novamente com uma mulher chamada Nancy. Ela é muito, muito malvada, mamãe! Ela me tratava como lixo. Então resolvi sair daquele lugar. Aos quinze anos, abandonei a mansão e vim viver em Tóquio.
Não se preocupe mãe, estou bem. Concluí os estudos aqui, me formei, consegui um emprego, fiz novas amizades...
E comprei, com meu salário, uma casa nova.
É sobre ela que queria falar. É uma casa tão linda! Ela é antiga, mas muito bem conservada. Tem uma decoração perfeita, e é um ambiente bastante tranquilo...
Pelo menos durante o dia.
Não durmo há muitas e muitas noites. Vários sons pregam peças em mim, e eu tenho a sensação de estar sendo observada. É horrível...
Eu estou sofrendo muito, mamãe!
Mas peço que não se preocupe comigo. Eu só não comprei outra casa para morar até agora porque não tenho dinheiro...
Mas, com toda a certeza, eu vou me livrar da maldição desse lugar, mãe. E irei te reencontrar.
Lucy Heart.
Ela releu o escrito, e deixou uma lágrima escapar. Já faz mais de dez anos que sua mãe desapareceu, e foi dada como morta. O buraco que Layla Heartifilia deixara no coração da sua filha estava cada dia mais enorme e oco.
? Se soubesse o quanto sinto a sua falta, mãe... ? murmurou, fechando os olhos com força, para não cair em prantos.
Depois de algum tempo, Lucy finalmente sucumbiu às lágrimas.
Caíram muitas, salgadas pelo amargor que preenchia a menina. Toda a dor que sentira nos últimos dezesseis anos era representada pelo pranto.
Lembrou-se da sua antiga vida. Seu pai levando-a ao parque de diversões, antes da notícia do desaparecimento de Layla. Jude estava feliz, e compartilhava desta felicidade com sua filhinha.
Lembrou-se quando, no seu aniversário, sua mãe comprou o mais belo de todos os vestidos que ela já podia querer, e a presenteou com ele.
Lembrou-se de tudo. Das alegrias e tristezas; certezas e incertezas. Ela já fora uma Lucy feliz.
Mas agora...
Agora Lucy estava descobrindo aos poucos os enigmas da sua triste vida atual.
E a primeira incógnita dessa lista é o seu sofrimento.