Ele acabara de acordar sentindo os suaves raios de sol a tocar-lhe a face. Seus olhos fitaram o teto branco assim que soltara um suspiro pesado. Seu corpo tremeu um pouco, estava com frio mesmo com o suave calor que o sol lhe rendia. Uma onda de tristeza o atingiu, ao lembrar-se que na semana seguinte completaria seus noventa e três anos. Ouviu a porta de seu quarto abrir-se e viu uma jovem entrar com uma bandeja. Ele sorriu.
? Bom dia, pai. Como o senhor está? ? perguntou a moça, sorrindo para ele.
? Estou bem minha querida. E você? Dormiu bem? ? ele tocou o rosto dela. Logo ela abaixou um pouco a cabeça, permitindo que ele lhe desse um beijo na testa.
? Sim... A dor melhorou? ? ela o observava com preocupação.
Ah, como ela era bela! Idêntica à mãe quando era jovem. Ele sorriu ao lembrar-se dela, a única mulher que amara verdadeiramente em toda a sua vida.
? Melhorou querida. Não se preocupe tanto com seu velho pai... ? ele disse. Os cabelos prateados dele, que quando jovem era invejado por muitos, estava totalmente desarrumados e sem brilho.
? Que bom. Claro que me preocupo! Você é a pessoa mais importante da minha vida, pai. ? ela sussurrou e colocou a bandeja na mesinha ao lado da cama. ? O que quer comer, pai? Trouxe-lhe algumas tortas de melancia, sei que você as adora. Suco de laranja e pães com queijo derretido...
? Melancia... ? sussurrou ele, sorrindo e fechando os olhos. Novamente o rosto dela apareceu em sua mente. Ah! Tão bela. Tão formosa. Daria tudo para conseguir falar um último ?eu te amo? a ela. Contudo, não conseguira. Ela havia partido antes dele.
Encontraremos-nos novamente, meu amor. Eu prometo.
? Obrigado, querida. Não precisarei da sua ajuda para comer... Eu consigo fazer isso sozinho, por enquanto... ? ele sussurrou enquanto sentava-se vagarosamente na cama.
A garota o olhou ainda preocupada. Puxou um banquinho e sentou-se, preparada para ajudá-lo no que fosse preciso. Vez ou outra limpava os lábios dele, sempre sorrindo. Ele lembrou-se de quando ela fazia aquilo quando iam comer melancias nas feiras.
Uma lágrima escorreu pela face dele. Seu coração apertou-se.
? Pai? ? ela sussurrou, inclinando-se um pouco para frente.
? Sua mãe me faz falta, querida... ? ele murmurou. Respirou profundamente e limpou a lágrima com sua mão.
? Eu imagino... Ela também faz falta para mim... Eu... Eu não estava pronta para perdê-la. ? sentiu os olhos encherem-se de lágrimas, contudo, virou o rosto e limpou-as.
Ele tocou nos cabelos de sua filha e sorriu, lembrando-se do passado. Fechou os olhos e suspirou.
? Eu ainda me lembro de quando e como nós nos conhecemos... ? sussurrou.
E então todo seu passado invadiu-lhe a mente, como se fosse um filme.