Liandan

  • Finalizada
  • Kiia
  • Capitulos 12
  • Gêneros Ação

Tempo estimado de leitura: 4 horas

    16
    Capítulos:

    Capítulo 11

    Aposta Final X

    Álcool, Drogas, Linguagem Imprópria, Mutilação, Nudez, Violência

    Uivou de dor, uma dor indescritível, mas não esperava que os meio-irmãos, viessem ao seu encontro. Skoll e Hati deveriam estar enfrentando o pai, Fenrir, e ainda que o lobo não fosse seu pai, gostaria de ter estado ao lado dos outros para assistir os momentos finais deste. Sentia-se um membro da família, mesmo que Hati não o considerasse, o branco sequer gostava dele, mas já estava acostumado.

    A visão estava embaçada, dolorida. Um dos olhos sequer enxergava, mas não sabia exatamente o motivo. Lembrava-se de se aproximar dos filhos de Thor, ambos ainda marchavam rumo a Loki, Modi estreitou o olhar ao avistá-lo, enquanto Magni preparou-se para atacar se assim fosse preciso. Descuidado, como na maioria das vezes, encarou os dois, depois bocejou abertamente ainda em sua forma de lobo gigante. Ao longe, seus ouvidos captaram o fervor da batalha, mas não se importou. Por fim, sentou-se frente aos soberanos de Asgard ainda desconfiados, desviou o olhar para o céu, para nada em particular, sem nem menos motivo aparente.

    - O que quer monstro? – Magni foi o primeiro a se pronunciar, com uma voz nada amigável, adiantou-se a alguns passos a frente do animal, mostrando um pesado machado de batalha, ainda que o martelo de seu falecido pai estivesse também com eles.

    - Gigante. – Corrigiu Managarm dando de ombro.

    Magni preparou-se para atacar. Mas Modi colocou-se entre eles em sua montaria.

    - Espere. Managarm não é um gigante hostil, temos que ouvir o que ele diz. – Magni o olhou durante um tempo, e por fim assentiu.

    O que mesmo tinha para dizer? Ah sim, claro, Loki... Mas antes que pudesse pronunciar algo a respeito, seus ouvidos se alarmaram com o som de perigo. Uma lâmina vinha em sua direção, zunindo como o vento. Conseguiu desviar a tempo, era um machado flamejante que agora perfurava a terra, marcando onde caíra.

    Os presentes procuraram com o olhar o responsável pelo ataque, mas Managarm já sabia, apenas não acreditava que ele ainda estivesse vivo.

    - Tio? – Magni desmontou o animal com velocidade, atrás de si ouvia os avisos do lobo gigante para manter-se longe de Vidar, mas não dera ouvidos. – Tio! Por Odin, o que fizeram com o senhor?

    Mesmo Modi já havia percebido. Havia algo de errado. O corpo queimado, o rosto abatido que não parecia raciocinar, e então avistou, mas tarde demais o outro machado que estivera na mão de Vidar ser levantado e em uma queda brusca, partir o corpo do irmão ao meio.

    - Magni!! – O grito fugiu tarde demais, e antes que absorvesse a morte do parente, correu em direção ao homem queimado que lhe lançava um sorriso provocativo. – Desgraçado! Ele era seu Rei, seu sobrinho, sua família!!

    - Rei? – Vidar sentiu-se obrigado a soltar uma risada enquanto recolhia o machado do corpo sem dificuldades. – Eu deveria ser este rei!! – Gritou com a face transfigurada de ódio, já não demonstrava mais nada da aparência humana que possuía antes das queimaduras, de certo, demonstrava estar pior do que a própria Hel com sua metade necrosa.

    Quando Modi avançou erguendo sua espada, Vidar apenas o chutou no estômago jogando-o para longe. O deus da vingança cambaleou para os lados e sorriu. Managarm deu alguns passos a frente com a intenção de participar também da batalha, mas Modi o repreendeu dizendo que aquela batalha seria dele e de mais ninguém. Porque todos o tratavam desta forma?

    - Este trono... Era para ser meu. Meu...! – Murmura em uma voz grosseira, aproximava-se aos passos lentos enquanto arrastava o machado flamejante, o outro ainda se encontra preso na terra. – Você não é nada Modi, nunca foi! – Grunhiu. – Magni era forte... Você... É uma vergonha mesmo pra Thor!

    Modi partiu em sua direção novamente apenas para ser repelido para trás ao defender-se do machado. A essa altura, ele já se encontrava frustrado por não conseguir vingar a morte do irmão, Vidar fazia jus na posição do terceiro mais forte... Terceiro? Não, primeiro. Agora com a morte de seu pai e de seu Magni, não havia força maior do que a dele.

    - Pegue Mjolnir! Pegue o estúpido martelo de seu pai! – Berrava o homem como louco que brandia o machado. Mas era apenas uma provocação, sem seu irmão jamais conseguiria erguer tal arma, por isso ignorou o pedido e avançou. Desta vez conseguiu desviar dos golpes do tio e contra-ataca-los, mas o lobo que tudo assistia não parecia satisfeito.

    Outro. Outro que morreria a sua frente sem poder fazer nada por ele. Managarm poderia ter o jeito passivo, o estilo de seguir com a maré, mas chegara a um ponto que seguiria suas próprias ordens, que se explodam os pedidos de Modi para que não interferisse no assunto. Os dentes brancos se mostraram afiados, seu hálito gélido se mostrava assustador, já havia perdido a calma há muito tempo. Um uivo escapou de sua boca, atraindo a atenção de Modi e Vidar, mas isso não impediu o deus incinerado de acertar um golpe no ombro do sobrinho que foi obrigado a largar a espada e segurar o ombro com a mão livre. Vidar atacaria outra vez se não fosse pela velocidade do animal, que surgia arrancando o homem queimado do local, arremessando-o para longe com seus dentes.

    - Você... Não de-

    - Cala a Boca. – Rugiu para espanto do outro. O calmo e relaxado Managarm mostrava sua verdadeira face. – Você se comporta como o idiota do seu irmão, deixando sempre o orgulho ir à frente, quer morrer como ele? Então morra, mas não me peça para ficar parado.

    Vidar ergueu-se satisfeito por ter sido atingido, como um palhaço que se diverte com o espetáculo, ele partiu para cima do lobo, a lâmina do machado assobiando ainda flamejante. Não poderia para-lo com seu elemento de origem, o gelo, mas desviou a arma com uma barreira invisível que surgiu a frente, seus poderes psíquicos entrariam em ação.

    Infelizmente para ele, enquanto se preocupava em defender o machado arremessado, Vidar agarrara o outro que até então estivera preso na terra, mais rápido do que esperava, este conseguiu atingi-lo passando de raspão sobre o pelo do pescoço. As chamas azuis em suas patas se agitaram, eram gélidas como ele. E agora que o outro estava desarmado, poderia usar seus golpes naturais, onde as chamas escaparam de sua boca congelando o caminho que atingiam, mas Vidar era rápido, e com um salto conseguiu escapar do jato. Céus, aquele cara era realmente uma espécie de “morto-vivo”?

    Quando deu por si, o deus estava em suas costas, com uma faca pequena em mãos tentando perfura-lo. Droga, Vidar era muito rápido para acompanhar seus pensamentos, e por consequência seus movimentos... Não, não era isso, aquele não era Vidar, era um fantoche, apenas a carcaça do corpo que ainda se mantinha de pé apenas pela vontade de conquistar o trono, não pensava, apenas agia.

    - Morra de uma vez! – Exclamou em meio a risadas alucinantes.

    Utilizando a mesma defesa que parara Ulric em seu primeiro encontro, jogou Vidar para longe com a mente, repelindo-o da mesma forma que fizera com o rapaz. Vidar, por sua vez inclinou-se para frente, os pés deslizando no chão para amparar a queda, perfeito para um impulso e partir pra cima do animal. Managarm preparou-se para atacar de volta, mas para sua surpresa Modi adentrou a sua frente parando o tio com um corte lateral no estômago. Estava ferido e por isso o golpe não fora profundo, mas servira para fazer o homem grunhir de dor, ou apenas rir... Era difícil entender o que se passava.

    Managarm lançou um olhar para Modi que o cumprimentou com um aceno de cabeça. Não iria proibir o outro de lutar, mas também não o protegeria, era um Rei, e como tal, deveria mostrar para seus súditos que serviam a pessoa certa.

    Vidar tentava a todo custo recuperar suas armas, mas Modi sempre o afastava de tais instrumentos, enquanto o morto-vivo, por sua vez, escapava dos golpes de Managarm. Quando Modi tentou cortar a cabeça de Vidar com um movimento giratório com a espada, um soco e um chute bastaram para deixa-lo sem força, tirando-o da batalha. O lobo então partiu para cima, aproveitando-se de que o alvo se encontrava ocupado atacando, o golpe foi certeiro, batera no outro com a pata de garras afiadas, dilacerando parte das costas do deus queimado. E agora que este se encontrava perto, poderia queima-lo ainda mais com suas chamas congeladas sem que ele escapasse.

    Preparou o sopro, mas quando abaixou a cabeça para lança, um chute na mandíbula o jogou para trás. Não era atoa que o passatempo dos deuses fortes, em especial Thor, era a caça aos gigantes. Desorientado, acabou por abaixar a guarda, o suficiente para Vidar recuperar suas armas.

    - Dessa vez prometo que não vou errar lobinho. – Sorriu.

    Managarm se recompôs tardiamente, pois quando sentiu que poderia voltar à luta, um dos machados o atingia em um dos olhos. Uma dor avassaladora tomou conta de seu ser, seus uivos poderiam ter sido ouvidos mesmo nos quatro cantos do mundo, havia perdido o olho esquerdo. Enquanto levava as patas ao olho na intenção desesperada de fazer a dor passar, Modi viu-se na obrigação de tentar retardar os movimentos de Vidar. Ambos os golpes eram ferozes, mas o deslize de Modi ao pisar em falso resultou em sua morte, onde Vidar perfurou o coração do deus.

    E então o queimado irrompeu em risadas delirantes de pura felicidade, enquanto gritava coisas como ser o senhor de tudo, o Rei supremo e outras dezenas de coisas sem nexo.

    Enquanto o outro se gabava da vitória, Managarm aproveitou a oportunidade para erguer-se, e atacar. Mas não era mais necessário, o outro já começava a desmanchar antes mesmo de ser atingido, transformando-se aos poucos em cinza, enquanto o lobo desferia repetidas vezes golpes com as patas e as chamas congelantes. Quando se cansou, sentia-se exausto, tonto e fraco, a visão embaçada apenas via as cinzas a sua frente, e então tombou enquanto o mundo se acabava. Hel havia morrido, por consequência, todos tombavam no campo de batalhas, mortos, presos para sempre no vazio absoluto.

    ...

    O fato de sentirem repulsa a sua aparência, sempre a incomodou. Não era sua culpa ter nascido com aquela forma... E com aqueles poderes. Mais que nojo, os demais tinham medo. Sabia que sim, pois mesmo Odin, o dito pai de todos, ainda que não o fosse, tivera. Fora por causa disso que havia sido condenada a ser a Senhora das Névoas, a odiada deusa quando na verdade tudo que ela queria, era um pouco de atenção por parte de seu pai, Loki, o qual nunca lhe dirigiu sequer a palavra antes... Antes de se mostrar importante em seu eterno jogo de cartas.

    Um de seus corvos cantou, anunciando o que para ela já era obvio. Sua vez havia chegado.

    Proferiu algumas palavras para ninguém em particular, talvez para seus corvos, gostava da companhia deles, eles não a temiam ou sequer a julgava por sua aparência.

    O corpo espiritual de seu pai aos poucos se formou a sua frente, estava caído sobre o chão de crânios. Observou silenciosa Loki ergue-se, parecia surpreso, mas ele era um homem de muitas fases, e com o tempo aprendera a não confiar em nenhuma das quais ele lhe mostrava.

    - Hel, minha filha. – A voz era calma, mas regada no mais suave dos meles. – Eu sabia que você não me abandonaria querida.

    Naquele instante, em que ouviu a voz de Loki, sentiu vontade de dizer tudo que sempre sentira ao pai, todo o ódio que sentia por ele, mas conteve-se.

    - Poupe-me de bajulações.

    Sim, poupe-me, pois já estou farta delas. Não precisava passar por aquilo, não era uma serva do pai, não precisava dele, jamais precisara, mas ele, ao contrário, ah sim, ele sim precisaria dela. Iria prova-lo seu valor, iria prova-lo que Odin não a temia sem motivos, por isso, ela se ouviu dizendo à frase que marcaria para sempre sua existência, e talvez a de mais alguns milhares.

    - Gosta de apostas?

    Ah, apostas, como ela gostava do som da palavra. Sempre saíra vitoriosa daqueles pequenos joguetes, seus servos costumam dizer que possuía sorte. Sorte... Ao menos aquilo não poderia escapar tão facilmente por suas mãos frágeis, não poderia abandona-la como tantas outras coisas, ou seres haviam a muito o feito. Mas agora, vendo-se com o pouco de sanidade que lhe restava, não tinha mais tanta certeza... Não tinha mais certeza se o que fizera era o certo... Certo? O que era isso? Entre o certo e o errado havia alguma diferença marcante? Não sabia, não sabia responder. Sequer conseguia lembrar-se do motivo que levara para aquele campo de batalha, onde agora dançava ao som da própria canção enquanto um garoto sangrava sobre a grama queimada. Em algum momento, a voz dele se juntou a sua cantiga. Sentiu-se feliz, ao menos alguém parecia gostar de sua música. Ela o viu se aproximar com a espada em punho, ela viu preparar-se para mata-la... Mas não importava, nada daquilo importava. Durante toda sua vida quisera ser a rainha do próprio jogo de tabuleiro, mas agora compreendia. Jamais conseguiria este feito, pois era marionete do destino, aquele que dizia que todos morriam, que a morte vinha para todos... Então porque fugir? Sentiu a lâmina sendo cravada no coração, a voz ainda insistia em sair, como se no fim quisesse continuar a viver, quisesse tentar tudo de novo... Mas agora nada disso importava, ela havia perdido a aposta.

    Ulric olhou com compaixão para a face de Hel, aquela que uma vez lhe causara tanto ódio... Mas agora compreendia. O culpado era ele. Não exatamente ele, a parte humana de Loki, mas sim o deus que simplesmente abandonara a filha, deixando-a a mercê da loucura dos mortos ainda pequena.

    - Admira-me que ela tenha mantido a sanidade por tanto tempo.

    Há alguns instantes atrás já havia percebido sua presença, o som de seus passos leves na grama queimada, e mesmo seu odor... O podre odor da mentira, fogo e caos.

    - Me parece que venceu a aposta, meus parabéns. – Ríspido, quase cuspindo as palavras, com o olhar franzido de raiva, Ulric voltou-se para Loki.

    O outro nada vez, continuou a fita-los, o rapaz que um dia já fora parte de si, e a filha morta. Não... Nenhum deles tinha mais serventia para ele.

    - Não creio que em algum momento tenha tido a chance de perder. – Disse simplesmente. Sentiu os olhos do outro o fuzilando. – Não adianta me olhar assim, rapaz. Hel era forte, mas o tempo não lhe fez bem. Ela deixou que as emoções a guiassem, e saiu de seu covil, fora dele, seus poderes não são tão fortes. Ela desejava a morte.

    Ulric trincou os dentes. Sabia que o deus dizia a verdade. Agora com Hel morta, não estava mais preso somente a vida terrena como Ulric, mas agora tinha acesso a quem realmente era, parte do senhor do fogo, dividiam novamente a mesma mente, os pensamentos e o conhecimento, aos poucos o Knox deixaria de existir e voltaria a ser uma entidade una com o deus.

    - Tudo um plano... Tudo. E como não percebi? – Praguejou irritado, já havia depositado o corpo falecido no chão, nem mesmo a espada de chamas, que tanto o confortava se encontrava mais em suas mãos. – Deveria ter percebido que aquele que lutava com Heimdall não era de fato você...

    - Por mais que me odiasse, jamais abriria mão da própria vida para por fim a minha. – Sugeriu colocando-se em caminhada na direção de Ulric. – Claro que as condições da aposta facilitaram bastante seu trabalho... Ou deveria dizer nosso trabalho? – Sorriu de canto.

    - Cale-se! – grunhiu pouco crente do que acontecera. Desabou sentando-se, levou a mão direita à testa molhada de suor, as feridas ainda doíam, mas não tanto quanto seu orgulho.

    A aposta consistia em uma batalha entre eles, entre Hel e Loki. O sobrevivente seria o vencedor e, portanto o único a viver entre todos. As condições ao qual se referiam não se encontravam a favor de ninguém apesar das palavras de Loki, de certo, ele sequer se lembrava do que deveria ser feito para ganhar, afinal, essa era uma das condições. Em contrapartida, Hel deveria mata-lo, mas não poderia fazê-lo de forma direta. O momento em que Loki enviou Ulric para Helgardh poderia ter significado a vitória para a deusa, já que a metade de Loki fora morta pelo dragão devorador de raízes, mas Liandan interferiu, e justamente essa interferência deu a oportunidade de vitória para o deus do fogo.

    Os olhos do rapaz correram pela paisagem por um instante, e então pode visualizar o que aquela aposta representava. Nada. A não ser a morte. Muitos dos guerreiros que batalharam em nome dos filhos de Thor, não eram deuses, muitos já estavam em seus sonos eternos desde o primeiro Ragnarok, por isso as Valquírias recrutavam com frequência homens que morriam em guerras no mundo humano. Não passavam de pessoas destinadas a um fim sem saída.

    - Não compreendo seu objetivo, venceu... Tá, e dai? Caso não tenha percebido, somente nós estávamos aqui, o Ragnarok aniquilou a todos. – Sentia-se fraco, sua energia aos poucos retornava a Loki. Mas não ficaria parado deixando que ele fizesse o que queria.

    O outro fez uma careta.

    - Tem certeza de que nossas mentes estão ligadas? – debochou.

    - Acredite, eu bem que queria que não estivessem. – sorriu sarcástico.

    - É algo tão obvio caro Ulric. – sorriu. Afastou alguns passos. – Existindo outros mundos, posso tornar-me a única divindade a ser adorada, com isso, terei poder suficiente para criar mundos, me tornando assim um Deus verdadeiramente. Minhas ilusões aos poucos se tornaram reais, rapaz, imagine o que poderei fazer em breve?

    Ulric não respondeu, os olhos vasculham algo pontiagudo, encontrou por fim uma faca qualquer, talvez esquecida por alguém que combatera neste campo antes dele. Loki gargalhou, mas permitiu que o garoto apanha-se o instrumento, deu a permissão para que esse partisse em sua direção com a intenção de lhe atacar. Ulric tentou uma estocada no peito, que o deus defendeu sem dificuldades com a espada de fogo. O outro golpe no pescoço, mas o simples inclinar da cabeça foi suficiente para escapar. Recolheu a lâmina para tentar uma investida no braço, novamente foi defendido com a espada do senhor das mentiras. Loki estava apenas zombando do enfraquecido garoto. Quando percebeu isso, trincou os dentes e se afastou com alguns passos para trás. A única forma de acabar com tudo era...

    - O que pensa que está fazendo rapaz? – Loki manteve o sorriso, sentou-se em um tronco qualquer, mas assim que o fez, este se tornou um confortável trono forrado com camurça, cruzou as pernas em seguida. – Oh, pensa em cometer suicídio? – Gargalhou. – Adoraria vê-lo agonizando até o fim, sabe disso, mas não posso.

    Pesadas correntes de metal surgiram, segurando as mãos e pés de Ulric a uma rocha, impedindo-o de se movimentar, o que o obrigou a soltar a faca.

    - Não deveria ter tanta pressa em morrer, sabe disso. – Aquele sorriso... Como sentia vontade de arrancar dos lábios de Loki, pensou com uma carranca. – Mas não precisa se preocupar, em breve sequer existirá mais.

    - Não acredito que posso ser você. – abaixou a cabeça. Ficou um tempo quieto, sem resposta. – Como pode ter feito o que fez com seus próprios filhos?

    Loki não pareceu se importar.

    - Não é nada pessoal. Mas veja bem, com exceção de uma das minhas crias... Digamos que não fui aquele que os trouxe ao mundo. Não tinham a mínima obrigação de me auxiliarem, e mesmo assim o fizeram. O que queria que eu fizesse? – deu de ombros. – Sabe que adoraria apreciar seus últimos instantes de sua consciência, mas tenho outras coisas para fazer.

    Ergueu-se sem se preocupar com Ulric, começou a se afastar, mas algo o deteve. Uma sensação estranha, dolorosa que partiu do seu peito. Não, não, não... Era impossível... Correu os olhos rapidamente até onde o outro estava.

    - Surpreso seu merdinha? – O sangue escorria vagarosamente por seus lábios, mas apesar disso, insistia em um sorriso vitorioso. Em seu corpo, se via a faca de antes, que se mantinha presa o lado esquerdo do seu peito, era profundo o suficiente para perfurar o coração.

    Os olhos fitavam Ulric com algo entre surpresa e ódio, não sabia exatamente como aquilo havia ocorrido, mas ali estava ela, sua filha, Hel, a senhora dos mortos parada ao lado do corpo que morria, com a expressão louca que evitara exibir por tantos anos.

    - Como... Você...?! – Era apenas o que conseguia pronunciar.

    - No fim venci como sempre venço. – Manteve a seriedade, ainda que a loucura fosse um traço indiscutivelmente presente. Um sorriso forçado, como um tique nervoso surgia e desaparecia dos lábios de Loki sem saber como reagir.

    - Hel eu...

    - Eu venci pai. Sei qual era seu objetivo com essa aposta, é um bom plano, verdade. – Caminhou um pouco ao encontro do pai. As pernas faziam movimentos firmes enquanto algo descia por seu corpo, manchando o caminho que fazia de negro. Um sangue fétido e viscoso. Mas ela não parecia se importar. – Veja bem, sou a senhora de Helgardh, porque diabos morreria tão facilmente se posso simplesmente curar-me? Voltar no tempo como se nada disso houvesse acontecido? É isso que a morte é, o próprio tempo, pai. – Pela primeira vez naquela ocasião, ela exibiu um fraco sorriso que logo morreu. Agora ela estava perigosamente perto. Loki já sentia as forças lhe abandonarem pelo golpe que acertara Ulric, em breve morreria, e sua magia não poderia nada fazer. Não era como sua filha, ao menos não ainda, não se curava, apenas enganava seus sentidos para que não percebesse a dor. - Nunca houve como me vencer, pai. Nunca. – Enfatizou.

    - E o que pretende então? – O tique agora se mostrava no olho direito em conjunto com os lábios que insistiam em tremer e sorrir nervosamente.

    - Não sou tão ambiciosa como você, mas creio que sabe o que quero.

    A mão foi de encontro à espada em sua cintura.

    - E o que seria? – o tique continuou.

    - Companhia no inferno.

    Loki atacou, atacou como se sua vida dependesse disso, um grito desesperado lhe fugiu da garganta, como um leão que defende seu território. A espada veio de cima, pretendia cortar a moça ao meio, mas Hel mante-se impassível, como se já esperasse aquela atitude vinda do deus... Não, não existiam mais deuses, no fundo, eram apenas mortais com estranhas habilidades.

    - Des... Desgraçada. – A palavra saiu cortada, abafada pelos jatos de sangue que lhe fugiam da goela. A poderosa espada, que tanto amara, agora caia de suas mãos uma vez firmes, mas agora impotentes de se agarrar sequer a vida. A última coisa que seus olhos captaram, fora a face alucinada da filha que tanto repugnava. Seu corpo, agora sem algo para manter-se em movimento, tombou no chão, relevando o que impedira de atacar. Uma sombra negra o cercava, milhões de filetes arroxeados saiam pelos orifícios do defunto. Nunca houvera esperança.

    - Eu o amei. – Sussurrou. – Por isso lhe desejei o melhor presente que conheço, pai. A única coisa que conheço graças a você, a morte.

    Hel virou-se para Ulric. Este ainda se encontrava consciente, mantido vivo pela magia da mulher com metade do corpo necrosado.

    - Porque me mantêm vivo? Não há mais nada para mim aqui. – Balançou a cabeça de forma negativa enquanto via-se livre das amarras de Loki. – A não ser que o seu desejo era o de que alguém assistisse. – Ulric fez uma careta. - Você venceu. Parabéns. Era isso que queria que eu dissesse? Eu disse, satisfeita agora?

    Hel negou com um movimento de cabeça.

    - E então o que? – Cuspiu.

    - Um presente. – Esboçou um sorriso sincero. - O que sempre quis com essa aposta, estava longe de ser o que meu pai imaginava.

    Teve uma pausa para tosse com sangue que fugiu de sua garganta, os olhos mortos correram ao ambiente, um suspiro e por fim continuou sua explicação sem fitar Ulric.

    - Já assisti mais vezes do que gostaria a morte dos meus, mesmo eu estou farta disso. O que eu queria... Era apenas o fim. – Houve uma pausa constrangedora, onde um não sabia o que dizer para o outro. – Desculpe ter envolvido seu mundo nisso.

    As desculpas vieram repentinamente, surpreendendo o rapaz que não sabia exatamente o que responder. Ulric abaixou os olhos, fitando a terra com sangue, abriu a boca, procurando algo para ser dito, mas Hel já havia ido embora. Não havia mais rastros da deusa dos mortos, apenas o silêncio estava presente, mas a magia dela ainda o mantinha vivo. O que fazer? Não havia mais nada para ele ali.

    ...

    - Nunca pensei que tudo fosse acabar assim. – Forçou um risinho quando a viu. Ela retribuiu em um sorriso fraco. – Na verdade talvez tenha até pensado, acho que todos sabem que o mundo vai acabar um dia.

    - Me desculpe não ter sido tão útil.

    Ulric não respondeu, apenas revirou os olhos como se dissesse “Você não tem culpa, cale a boca”. Fraca pelas feridas que Hel lhe causara, Liandan sentou-se ao lado do rapaz que descansava sob a sombra de uma árvore, uma das poucas que ainda estavam de pé. Mais sangue escapou dos lábios do Knox em conjunto com uma risadinha da parte dele.

    - Você está morrendo.

    - Não preciso que me diga isso, ainda estou consciente para perceber isso. – Grunhiu.

    Ficaram em silêncio. Poderia ter perguntado a ela como conseguira escapar, o que iria acontecer com aquele mundo agora, ou mesmo o que iria acontecer consigo, mas não... Apenas o som do vazio, do nada já o satisfazia. Passaram-se alguns minutos, o suficiente para o inicio do pôr-do-sol. O céu era tingido por um tom alaranjado enquanto o azul aos poucos desaparecia para dar lugar à escuridão dentro de algumas horas. Era sempre gratificante observar aquela pintura ao entardecer.

    - Obrigada.

    Não houve resposta. Os olhos dela se apertaram, e uma lágrima rolou. Não existia palavras para expressar o que sentia naquele instante, o rapaz havia partido, assim como era o seu desejo, talvez pudesse encontrar-se com Miraini agora. Deveria estar feliz por ele, mas apenas sentia inveja... Estava fraca, ferida e mesmo assim não morria. Gostaria de ser como ele, ser como todos aqueles que um dia conheceu e amou. Enquanto a noite se aproximava, a raposa em forma humana enterrava os corpos com os pés virados para o norte, assim como era o costume daqueles que viviam naquela terra selvagem, mas ao chegar à vez de Ulric, já amanhecendo, não o pode fazer. Ele não merecia aquilo, não admitia. Por mais que ele houvesse desejado a morte após de tudo, não achava que esse deveria ser o seu fim. Fim... Nunca existira tal coisa, a vida em alguma parte sempre continuaria a existir mesmo sem ele... Mesmo sem eles. Em tão porque tudo deveria continuar a acontecendo desta forma?

    Mesmo com todos os questionamentos que surgiam em sua mente, ela o enterrou, decorando seu túmulo com flores que o pouco de energia que possuía permitia. Sentou-se a frente dele, enquanto alimentou as lembranças que lhe viam a mente. Aquele não seria o fim, ela lhe daria um último presente, o mesmo que entregaria a aqueles que serviram a sua amada Kishibi Uinta-sama. E enquanto um novo alvorecer se mostrava, Liandan realizada seu ato final.

    Ato Final - Aposta X


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