.:: O fantasma ::.

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    Capítulos:

    Capítulo 1

    Capitulo único: ''Medo''

    Uma simples História só pra contrariar !! ;)

    Foi há pouco tempo, no Carnaval. Eu queria aproveitar os três dias de folga para descansar e pensei em ir para um lugar silencioso e calmo, distante da cidade. Nenhum me pareceu melhor que a casa de meu tio, uma casa abandonada em que eu, desde pequeno, ouvia falar.

    A casa ficava numa região deserta, a cinco horas de viagem da cidade. Havia muitos anos que estava abandonada. Contavam a respeito dela a história de um fantasma, um sujeito que tempos atrás apareceu por lá garimpando, até que um dia encontrou uma grande pedra de diamante.

    No dia seguinte acharam-no morto, decapitado e a pedra havia sumido. Desde então o sujeito assombrava o lugar, que foi ficando abandonado pois ninguém mais queria ir morar nele. Diziam que altas horas da noite ele perambulava por lá, gemendo na escuridão: ''Quede meu diamante... Quede meu diamante...'' Meu tio foi o último morador.

    Ele não tinha medo de fantasmas; como porém, nunca encontrasse diamante e o lugar fosse imprestável para qualquer outra coisa, mudou-se para a cidade - e, à espera de um comprador deixou a casa entregue às teias de aranha.

    Achei que para um repouso de três dias, não poderia haver lugar melhor do que esse; e fui para lá. Cheguei ao anoitecer. Fora o ruído do riacho, a alguns metros da casa, tudo o mais era silêncio. Nem uma árvore; nem um bicho; nada a se mover na paisagem deserta. A casa era um sobradinho. Ela estava tão empoeirada dentro, que parecia fazer não anos mas séculos que não entrava ninguém ali.

    Depois de comer um sanduíche e de fumar um cigarro, deitei-me. Cansado como estava, dormi logo. Acordei com o barulho da chuva: uma chuva tão forte que parecia querer achatar a casa no chão. Fiquei escutando-a, de olhos abertos no escuro, quando ouvi um barulho diferente, vindo de dentro da casa, da parte de baixo - algo como um batido de janela. Pensei logo no fantasma, mas esperei para ver se o barulho se repetia.

    O barulho se repetiu. Mas ainda na dúvida, peguei o meu revólver na valise, acendi uma vela e fui ver. Antes de atingir a escada, ouvi a voz: ''Quede meu diamante... Quede meu diamante...'' Eu sorri, tranquilo. Guardei meu revólver no bolso e fui descendo a escada, com a vela na mão. Era o fantasma em pessoa que ali estava. Ao me ver, caminhou para mim, gemendo: ''Quede meu diamante... Quede meu diamante...''

    Eu estendi a mão para ele:

    -Já o conheço: o senhor é o fantasma do decapitado, não é?

    -Sim.

    -Muito prazer.

    -Muito prazer?

    Ele levou tanto susto, que sua cabeça caiu no chão. Catou-a, tomando a pô-la no pescoço.

    -Já ouvi falar muito no senhor - eu disse.

    -Oquê? Você não está com medo?

    -Medo?

    -Medo de mim.

    -Absolutamente. Até pelo contrário: tenho muito prazer em conhecê-lo.

    -Não é possível.

    Ele estava perplexo.

    Convidei-o a sentar-se; ele não aceitou, e continuou olhando espantado para mim.

    -Não acredito...

    De repente sua expressão mudou: tomou um ar desconfiado e mau.

    -Já sei: isso é um truque.

    -Truque?

    -Você está morrendo de medo de mim e finge que não está, para me espantar. Ou então finge para você mesmo, para se convencer de que não está com medo.

    -Autossugestão?

    -Isso.

    Ele deu uma risadinha diabólica, e então fez uma cara bem feia e disse, na voz mais fantasmagórica do mundo:

    -''Quede meu diamante... Quede meu diamante...''

    -Ora - eu disse, - o senhor já está começando a me aborrecer...

    Acara ruim desapareceu, e ele me pareceu profundamente decepcionado.

    -O senhor não acredita no que a gente diz - eu prossegui. -Isso é aborrecido.

    -Eu não estava acreditando mesmo; mas agora, infelizmente, acredito... Desculpe-me...

    Ele sentou-se. Era bastante transparente, e eu podia ver, apesar da semiescravidão, as coisas que estavam detrás dele.

    Sentei-me também, depois de pingar um pouco de cera na mesa e firmar a vela.

    Lá fora a chuva continuava firme.

    -Com efeito... - disse ele. - Mas me diga, se não o aborreço: você não está esmo com medo?

    -Não.

    -Nem um pouquinho?

    -Nem um pouquinho.

    -Ainda não posso acreditar.

    -Quem tem medo de fantasmas hoje em dia? - eu disse, mas percebendo que fora indelicado, pedi-lhe desculpas.

    -Você tinha tanto medo de mim quando era pequeno... - ele disse, num sorriso triste.

    De repente seu rosto brilhou:

    -Quem sabe você não está acreditando que eu existo, achando que eu não estou aqui, que eu sou apenas imaginação sua, apenas um fantasma no mau sentido da palavra?

    -Que diferença isso faria? - Eu disse.

    Ele ficou pensando um pouco, depois disse:

    -De fato, não faria diferença nenhuma.

    -E eu - continuei, - quem me dirá que não sou apenas um fantasma de um fantasma? O seu fantasma, por exemplo. Não existo, sou imaginação de um fantasma; o senhor já pensou nisso?

    O fantasma de um fantasma é um fantasma ou existe? Essa é que é a questão.

    -Você tem razão. Mas você raciocina demais, e isso é nada bom. Raciocinar demais faz esquecer o medo, e o medo é necessário.

    -Pode ser.

    O medo é necessário - ele repetiu.

    Ficamos um pedaço em silêncio. Depois ele começou a me falar de sua vida. Disse que havia anos que não saia dali e que ficara muito alegra quando me vira chegando. Até já esquecera como se assombrava uma pessoa; talvez fosse por isso que não conseguira me assombrar. Eu disse que não. Talvez já tivesse virado um fantasma gagá. Eu disseque deixasse de besteira, ainda era um fantasma muito bom.

    -É horrível um fantasma gagá - ele disse.

    Perguntou- meu como iam as coisas no mundo.

    -Como sempre - eu disse. -O senhor decerto já sabe que brevemente vão mandar um homem à lua...

    -À lua?

    Sua cabeça tornou a cair no chão.

    -Não pode ser!

    -É verdade - eu disse, sem compreender por que ele ficara tão chocado com a notícia.

    -É o fim, é o fim - ele murmurou desconsoladamente, ajeitando a cabeça no pescoço. -E agora, como que nós, os fantasmas, vamos assombrar com a lua?

    Eu não sabia o que dizer.

    -Era tão bom assombrar com lua... - ele suspirou.

    Eu estava co um maço de cigarros no bolso do pijama e ofereci um cigarro a ele.

    -Obrigado, eu não fumo.

    -Nem um só, para se distrair?

    -Não, obrigado. Cigarro dá câncer.

    Como que se esforçando para manter mas parece que não descobriram ainda. Se empregassem nas pesquisas sobre o câncer o dinheiro que empregam na fabricação de bombas, talvez já tivessem descoberto.

    -Bombas? Que bombas?

    -As bombas uai; as bombas que eles fazem todo dia, os Estados Unidos, a Rússia, a França, a China... Bomba de hidrogênio, bomba de cobalto, bomba de nem sei mais o quê... O senhor não sabia?

    -Bombas para matar, para destruir?

    -Para que poderiam ser?

    -Mas a bomba atômica... Não se arrependera, não disseram depois da guerra que se arrependeram deter feito a bomba?

    -Disseram.

    -Meu Deus, meu Deus - ele disse, tirando a cabeça e cobrindo-a no peito com as duas mãos.

    -E as guerras? - eu disse.

    -Não! - ele disse. -Não quero mais saber disse. Por favor, não me fale mais disso.

    Foi uma coisa estranha, então, como ele começou a tremer, a ponto de fazer barulho na cadeira. Perguntei o que estava havendo com ele: com voz trêmula, ele respondeu que era medo.

    -Medo?

    Quase dei uma risada.

    -Mas medo de quê? - perguntei.

    -Medo de vocês, homens.

    Era o fim: um fantasma ter medo de gente!

    -Não é possível - eu disse.

    Mas era medo mesmo; ele continuava a tremer, e só depois de algum tempo é que se acalmou. Comecei a achar incômodo aquele negócio de conversar com ele sem ver sua cabeça - cabeça que ele continuava segurando no peito, coberta pelas mãos.

    -Será que o senhor não poderia tornar a pôr a cabeça?- eu disse. - Acho meio esquisito conversar assim...

    -Não posso - ele disse, com a voz ainda trêmula. - Eu morreria de medo. Não posso mais ver um homem. Por favor, é a última vez que eu apareço no mundo...

    -Está bem - eu disse, - não tem importância.

    Era desagradável saber que ele estava com medo de mim.

    -É só mais um minutinho - ele disse; - é só para saber uma última coisa.

    -Não tem importância - eu disse. - O que o senhor deseja saber?

    -Crianças: elas ainda existem?

    Eu disse que sim.

    -Que bom - ele disse; - como isso me alegra... Crianças têm medo de fantasmas. Enquanto houver alguém que tenha medo de fantasmas, ainda há esperança.

    Uma dúvida repentina ensombreceu de novo sua voz:

    -Ou as crianças hoje não têm medo mais de fantasmas?

    -creio que têm - eu disse.

    -Creio?...

    Ele parecia terrivelmente apreensivo,e, para tranquilizá-lo, eu disse que tinha certeza.

    -O senhor sabe: criança é sempre criança.

    -Não sei - disse ele, roído pela dúvida. - Não sei. Num mundo como esse, não será nada de estranhar que amanhã as crianças não sejam mais crianças...

    -Não há esse perigo - eu disse.

    -Não sei. E quem sabe, quem sabe já não há nem mais fantasmas no mundo e eu seja o último deles...

    -Oh, seguramente que não, que bobagem - eu disse, sem muita convicção. - Ainda há muito fantasma dando sopa por aí...

    A vela estava quase no fim, e eu bocejava de sono com vontade de cair na cama outra vez. Depois de certo tempo, como ele não tornasse a falar eu me levantei e disse:

    -O senhor repara se eu for dormir? A prosa está boa, mas a viagem foi longa e me cansei. Ele não respondeu. Esperei mais um pouco, em pé, mas ele não falou. Estava tão transparente que se tornava difícil enxergá-lo.

    Eu ia repetir a pergunta, mas ele estava tão imóvel e silencioso, que preferi calar-me.

    Peguei o toco de vela, com cuidado para não queimas os dedos, e fui subindo a escada. Lá de cima, voltei a olhar para baixo: ele havia desaparecido.


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