Sobretudo Negro.

_Kou-chan!

A voz rouca, porém ainda assim angelical, ditou quando adentrei pela porta lateral da enorme biblioteca.

_Ruki!_ Respondi sorrindo.

_Chegou atrasado novamente._Fingiu-se de bravo._ Sabia que tenho que inventar mil e uma desculpas para esses seus atrasos, não é?_ Ele fez bico.

_Sinto muito Taka, mas..._ Apressei em me explicar, porém fui interrompido.

_Kou! Calma, eu tava brincando!_ Ele riu.

Eu suspirei aliviado. Realmente foram apenas 3 minutos de atraso, mas se contados com todos os outros dias o acúmulo já era significativo.

_Seguinte, Vamos ter que organizar uma nova leva de livros hoje. Você fica com os romances e eu, com os de aventura. OK?_Perguntou sorrindo como sempre.

_Ok!_ Respondi animado.

Geralmente romances são destinados ao público feminino, o que não significa que homens não apreciem. Eles eram meus preferidos, apesar de saber que tudo contido neles eram nada além de pura ficção. Nada acontece como nos livros, onde se encontra a pessoa perfeita e vivem juntos. A realidade é mais dura e racionalista do que sentimental.

_Ah! Lembrei!_ Ruki disse animando-se._ Como hoje o tempo está ruim, nós podemos ficar vadiando quando terminarmos! Então se prepare para escutar milhões de novidades!_ Ele terminou enquanto amarrava seu avental.

Nós, além do uniforme, usamos um avental comprido e negro com diversas utilidades. É nele onde carregamos lanterna, espanador e marcadores de livro que oferecíamos aos clientes quando estes vinham apreciar uma leitura aqui mesmo.

Olhei espantado para o vitral enorme que adornava a parede lateral e constatei que realmente o tempo prometia.

_Tomara que chova só à tarde. Preciso buscar kai e nem me lembrei de trazer guarda-chuva._Ditei alto, porém com intenção de me repreender por ter-me esquecido.

_Não se preocupe, lá nos fundos tem várias capas de chuva. Alguma deve servir em você e no nosso Chibi-chan._Ruki disse enquanto cantarolava uma música a qual eu desconhecia.

Sorri, Ruki é o amigo que me ajudou a conseguir este trabalho. Somos de classes sociais diferentes, ou pelo menos éramos, mas quando minha família ainda era viva sua mãe trabalhava para meus pais como empregada, então eu e ele nos conhecíamos desde a infância. Fora Kai, posso considerá-lo minha única família.

_Vou lá pegar meu avental._ Respondi a ele.

_Não há necessidade._ Disse me estendendo meu avental._Sabia que iria chegar atrasado, então te poupei o trabalho de ir lá buscar. Eu sei, você me ama, não precisa agradecer._ Brincou, balançando o pano em minha frente.

Eu ri. Ruki era a única pessoa que me fazia rir espontaneamente.

_Obrigado._ Peguei o avental e vesti-o._ Onde estão os livros?_Perguntei.

_Estão na sessão 1-B._ Respondeu já me seguindo e juntos fomos até lá.

A biblioteca era dividida de acordo com cada gênero principal das obras ali presentes. Eram corredores com enormes prateleiras de madeira maciça onde estas encostavam o teto. O piso, em madeira polida, eram um dos fatores que a tornavam uma biblioteca aconchegante. Obras magníficas eram encontradas ali, já que era considerada uma das maiores bibliotecas de toda Tókio. Havia alas para os mais variados públicos, todas em diferentes pontos escolhidos estrategicamente para satisfazer aqueles que buscavam silêncio e paz.

Uma das minhas alas preferidas, a pequena saleta era onde poltronas ficavam espalhadas e decoradas por lindos vasos de lírios brancos sobre os móveis ali encontrados. Lá, mais precisamente em volta, a maioria dos romances datados tanto de nossa época como de épocas passadas, eram guardados.

_Nossa, você precisa ver. Adivinhe qual livro chegou?!_Ruki perguntou enquanto desempacotava livros e mais livros sobre sua categoria.

Olhei rapidamente para ele esperando que me desse a resposta que tanto queria.

_Não acredito! Sério?_ Perguntei animado.

_Sim. Vem aqui ver._ Ele me apontou o carinho no qual ainda não tínhamos chegado a desembalar.

_Flores Roxas, Aoi._ Ditou terminando de ler o que havia escrito na capa de um dos livros que acabara de desembalar.

Aoi. Um dos melhores escritores de todos os tempos, em minha opinião. Conheci seu trabalho quando tinha apenas 14 anos. Enigmático e excêntrico, suas obras me fascinaram desde o primeiro capítulo até o final. Nunca, apesar de querer desesperadamente saber quem ele era, consegui encontrar alguma reportagem ou foto sobre a identidade do mesmo. Foram dias de procura, juntamente com Ruki, que levei junto comigo em mais uma de minhas investigações de criança, procurando informações. Mas nada encontramos, como disse. Desde então, me contento em ler suas obras e imaginar como será a vida de um escritor.

_Se terminarmos logo com tudo isso aqui, podemos sentar e começar a Lê-lo._Ruki apontou para todos os livros que estavam ali, em seguida para o livro de Aoi.

_Sim._respondi e voltei a arrumar meu carrinho para que depois colocasse os livros nas prateleiras em seus devidos lugares.

Ruki, como havia proposto, desembalou os livros de aventura e eu, os de romance. A ala de Aventura era marcada como 2-E, enquanto a de romances, 2-C. A ala na qual estávamos, 1-B, era onde os livros eram descarregados pelos empregados encarregados da distribuição dos exemplares.

_Sabe, estava pensando em fazer uma pequena comemoração semana que vem. Só eu, você e o Kai-Chibi-Chan._ Ruki falava calmo, tentando parecer uma mera tentativa de me fazer esquecer do que estava falando.

_Não há necessidade._ Respondi.

_Mas é claro que há necessidade. Nós sempre fazíamos essa reunião antigamente! Por favor, Uruha!_ Pediu manhoso enquanto passava por minha ala para pegar mais livros na 1-B.

_Já disse para não me chamar assim Ruki..._Eu pedi. Minha mãe fora quem me apelidara assim quando eu ainda tinha 5 anos.

_Desculpe..._Ruki pediu percebendo o que fizera.

_Tudo bem, só... Não me chame mais assim._ Eu falei e me posicionei frente à escada para subir e colocar os livros nas divisórias mais altas.

_Nossa. Parece que o mundo está ?literalmente? chorando._ Ruki disse agora mais alto devido a estar em outro local sem ser o meu.

Antes de subir as escadas, coloquei os livros novamente no carrinho e fui em direção ao local onde Ruki estava.

Parei em frente ao vitral, ao qual se podia ver uma tempestade caindo violentamente, molhando todas as pessoas que passavam por ali. Vi mulheres correndo, protegendo seus cabelos com bolsas ou sacolas e homens com suas pastas tentando abrigarem-se embaixo de toldos de lojas pela rua. Lembrei-me de Kai. Ele tinha medo de tempestades, assim como eu. Fora em uma delas que perdemos nossos pais.

_Kou?_Ouvi Ruki chamar, me tirando de meus devaneios.

_O que?_ Perguntei ainda bobo.

_Vamos?_ Ele apontou para os carrinhos de livros.

_Sim._ Respondi voltando ao meu estado normal.

Nos viramos e começamos a andar, porém paramos assim que escutamos a porta central sendo aberta e um vento gélido entrar.

Olhamos para lá e um homem vestindo um sobretudo negro, juntamente com a touca do mesmo sobre a cabeça, entrou.

_Podemos Ajudar?_Ruki fora em sua direção e perguntou para o tal.

_Hã? Oh, entrei em uma biblioteca._O homem falou para si mesmo, olhando em sua frente, onde havia a placa da biblioteca encima do balcão de informações.

_Sim. Creio então que o senhor veio apenas se abrigar da chuva. Fique a vontade._Ruki falou sorrindo gentilmente.

_Obrigado._ Respondeu, retirando de sua cabeça a touca, para depois retirar o sobretudo encharcado e sorrir para Ruki.

Foi então que seu olhar se direcionou à mim pela primeira vez. Seus cabelos era escuros e batiam em sua nuca em um corte despojado. Os olhos eram negros e sua pele era pálida. Era de estatura mediana, poucos centímetros menor que eu, porém era mais forte e mais velho.

Estava usando calças jeans pretas e uma blusa de gola ?v? comprida. Os sapatos eram refinados, o que me fizeram perceber tratar-se de alguém bem economicamente.

_Senhor?_ Ruki o chamara, parecendo estranhar nossos olhares.

_Sim?_ Ele perguntou, sem desviar seus olhos de mim. Foi ai que percebi também estar olhando-o e enrubesci, desviando o olhar.

_Precisa de algo?_Ruki perguntou.

_Não, apenas esperarei a chuva passar lendo algo._ Finalmente ele olhara para Ruki.

_Ok. Sabe onde ficam os livros de sua preferência?_Ruki perguntou.

_Não conheço essa biblioteca, se puder me mostrar onde estão os livros de romance, eu agradeceria._ Ditou.

Ruki olhou para mim. Eu ainda estava envergonhado perante minha ousadia de encarar aquele homem.

_Takashima ira mostrar ao senhor, já que ele esta arrumando novos livros nessa ala. Tenha uma boa leitura._Ruki falou e assim foi em direção aos carrinhos.

_S-siga-me, senhor._ Eu pedi.

_Não precisa tanta formalidade. Garanto que não sou tão mais velho que você._O homem falou sorrindo. Eu acenti respeitosamente._ Seu nome?

_Takashima Kouyou, senhor._Respondi me esquecendo do que ele pedira.

Ele sorriu.

_ Shiroyama Yuu._ Ele estendeu a mão em minha direção._ É um prazer lhe conhecer, Takashima Kouyou.

Eu apertei sua mão.

_Igualmente._ Respondi novamente respeitoso e me virei.

Ele me seguiu até a ala e lá acenou com a cabeça indo pouco mais a frente ao local no qual eu estava.

Peguei os livros que deveriam ser postos nas prateleiras mais altas e subi na escada.

_Sabe, deve ser legal trabalhar em uma biblioteca._Escutei Shiroyama ditar.

Virei-me em sua direção e percebi um sorri em seus lábios enquanto ele passava lendo os títulos das obras.

_Sim, é bom._ Respondi curto devido à vergonha.

Continuei colocando os livros em seus lugares.

_Faz muito tempo que trabalha aqui?_Perguntou novamente.

_Não senhor. Entrei há poucos meses._ Respondi colocando os livros mais a direita.

_Novamente senhor._ Ele riu._Gosta do que faz aqui Kouyou?_ Perguntou usando meu nome agora.

_Sim..._Respondi sem usar ?senhor? na frente.

_Ótimo!_ Ele animou-se._ ?Senhor? me faz parecer muito velho para meus 27 anos. Prefiro Yuu. Pode me chamar assim.

_Sim, Yuu._ disse e desci da escada para pegar uma nova leva de livros.

_Gosta de romances._ Ele perguntou, mas percebi que fora uma afirmação.

_Gosto._ Falei envergonhado pela observação correta.

_É sempre tão quieto, Kouyou?_ Perguntou brincando.

_S-sim..._Novamente enrubesci.

_É um ótimo gênero._Ele constatou._De quais autores você gosta?

Subi novamente as escadas, porém, antes de respondê-lo, Ruki apareceu.

Olhei em sua direção. Ele estava vermelho devido a ter corrido.

_É o Kai. Ligaram da escola._ Disse.

Empalideci e me desequilibrei quase caindo. Yuu ao me ver branco, aproximou-se da escada.

_Tudo bem?_Perguntou.

Desci a escada rapidamente e maneei a cabeça para ele em afirmativa. Segui em direção a Ruki, pegando o telefone em suas mãos.

_?Alô??_ Perguntou uma voz do outro lado da linha.

_Sou eu, Takashima. Pode dizer._ respondi.

_Oh, sim. Senhor Takashima, ligamos porque Kai se encontra muito assustado. Não sabemos o que ocorreu, mas ele não para de chorar e pedir por você. Queremos saber se o senhor não poderia vir buscá-lo...

_Estarei ai em alguns minutos. Avise a ele que estou indo._Respondi, desligando.

Olhei para Ruki suplicante.

_Pode ir, eu seguro as pontas por aqui._ Ele respondeu.

Eu sorri agradecido.

_Kouyou, aconteceu algo?_ Ouvi a voz de Yuu logo ao meu lado.

_Não senhor, Ruki pode lhe mostrar o livro que desejar ler, tenho que sair agora._ Respondi educadamente e sai apressado em direção aos fundos. Lá, peguei duas capas de chuva e voltei para frente da biblioteca. Ruki e Yuu ainda estavam ali. Ruki me parou antes que eu saísse.

_Não adiantará em nada uma capa se você não vesti-la, Baka!_ Ele me repreendeu e percebi que não havia a colocado.

Ele pegou a capa de minhas mãos, em seguida tirou meu avental e me estendeu novamente a capa.

_Tome cuidado._ Ditou._ Traga Chibi-chan sequinho em!

Eu sorri.

_Sim, Takanori!_ Respondi abrindo a porta já vestindo a capa.

_Não pode sair assim nessa tempestade._ Me assustei quando meu braço fora segurado. Era Yuu._ Espere alguns minutos e então eu lhe darei uma carona.

Tanto eu como Ruki nos assustamos.

_Obrigada senhor, mas tenho um compromisso urgente._ Ditei me soltando de seu braço, saindo rapidamente para a chuva.

Não posso deixar esperando aquele que me é importante. Jamais deixaria Kai. Não importa a circunstância.