A beira da morte no meio do gelo, uma pessoa é salva por um protetor de Athena. Mas será que esses dois estarão a salvo debaixo do mesmo teto?
Os olhos estavam em chamas, sentia-os quentes e ardendo. Foi a primeira coisa que notou ao perceber-se viva, mas infelizmente era a coisa mais clara que conseguia perceber em si. Não sabia sequer se estava deitada ou sentada. A mente parecia embaçada como sua visão por causa do calor que sentia envolvê-la, e esse era o único sentido que ainda enviava alguma informação ao cérebro embora confusa e distorcida.
Não sentia dor, então não estava no inferno. No céu tão pouco estaria já que era uma alma condenada pelos deuses. Só podia estar viva. Mas os indícios de que ainda existia em algum lugar eram tão vagos que ficava difícil crer nisso.
?Estou tão cansada...? pensou antes de sua mente ser tragada pela escuridão que envolvia os sonos sem sonhos.
?-----------------------------------------------------------------------
Luz.
Aos poucos foi inundando-se de luz. Seus olhos abriam-se tão lentamente quanto sua mente para o mundo ao redor. Devagar, começava a perceber sons, não os distinguia, mas os percebia, sabia que estavam lá. Também começava a perceber-se, sentia seu corpo aos poucos. Estava em algum lugar!
Algum tempo depois, um tempo que tanto podia ser um minuto quanto uma hora, encontrava-se inteiramente desperta afinal. Ficava quieta, sem mover-se tentando situar-se no tempo e no espaço.
Aparentemente, estava viva.
Deitada em uma cama desconhecida em um quarto desconhecido.
Embora não tivesse muita certeza do tempo, ainda era dia pois o quarto encontrava-se iluminado pela luz clara que atravessava os vidros da única janela do cômodo.
?Um quarto de cabana, sem dúvida...? pensou analisando os poucos móveis e as paredes ?Mas cabana de quem? Ou melhor, como vim parar aqui??
Vasculhou a memória em busca das lembranças mais recentes.
?Eu estava fugindo, fugindo na neve... Ventava muito e sentia frio... Havia neve até onde a vista alcançava...? e acabavam-se aí as lembranças, acabavam-se no branco infinito da neve e da certeza de que precisava fugir.
Sentou-se na cama e só então notou que vestia roupas estranhas. Uma camisola de um tecido bem grosso e macio, mas ainda assim era uma roupa estranha. Onde estavam as suas roupas? Quando trocara-se?
Puxou o pesado cobertor até o pescoço e encolheu-se na cama abraçando as próprias pernas dobradas. Apoiando o queixo sobre os joelhos encobertos pôs a mente pra trabalhar.
Sentia-se perdida, e isso dava-lhe uma sensação de segurança. Será que conseguira fugir daquilo? O sentimento de preocupação que não a deixara nos últimos meses começava a voltar. O quanto conseguira ir longe? Pensar que estava perdida fazia com que sentisse que estava a salvo, mas por quanto tempo? Como viera parar ali?
O barulho de passos sobre o assoalho pegou-a de surpresa e interrompeu qualquer pensamento. Alguém aproximava-se do quarto. E antes que pudesse conjecturar qualquer coisa, a porta foi aberta revelando alguém.
Com os olhos muito abertos encarou o rapaz parado na entrada do aposento. Nunca o vira antes!
- Já acordou! ? disse ele com um tom de surpresa, e completou mais suavemente ? Isso é bom...
A moça nada falou, apenas continuou a encará-lo. Então a expressão no rosto do jovem tornou-se leve, os olhos transmitindo uma calma que jamais havia visto.
- Consegue falar? ? perguntou ele estranhando o silêncio contínuo dela.
Após alguns instantes ela murmurou um ?Sim? quase inaudível. Foi aí que percebera que estava fraca, sua voz não tinha força alguma e dizer apenas uma palavra tornara-se difícil. Não sentia-se muito bem e não sabia se era por estar diante do estranho ou porque estava doente.
- O seu ?sim? pareceu mais um não. ? observou ele sorrindo encantadoramente ? Ainda deve estar fraca por causa da febre...
Devagar ele aproximou-se da cama. Tocou de leve a fronte do rosto da moça com as costas da mão.
- Normal. O pior já passou.
- Onde... onde estou? ? murmurou ela baixinho depois que ele recolheu a mão, a voz saía com dificuldade.
- Está a salvo da tempestade. Esta é minha cabana, ela fica na floresta a leste da vila. ? fez uma pausa antes de perguntar calmamente ? Lembra-se de ter entrado na floresta?
A moça moveu a cabeça negativamente, desistira de tentar falar.
- Entendo ? colocou a mão no ombro dela e cuidadosamente a fez deitar-se ? Você passou por momentos difíceis, descanse. Não se preocupe com nada, cuidarei de você.
Ajeitou melhor o cobertor para aquecê-la.
- Durma agora, conversaremos mais tarde quando estiver em condições...
A garota fechou os olhos por alguns instantes e respirou profundamente, quando voltou a abri-los transmitiam muito cansaço. O rapaz deu-lhe as costas e caminhou até a porta. Antes que ele desaparecesse, ou que ela caísse no sono, perguntou com a voz fraca:
- Como...se...chama?
Ele virou-se e respondeu:
- Alexei. ? olhou-a com suavidade e acrescentou ? Mas pode me chamar de Hyoga.
- Obrigada... Hyoga. ? agradeceu com o último fio de voz que possuía antes de ser engolida pela escuridão de mais um sono sem sonhos. A última coisa que lembra de ter visto foi um par de olhos azuis que transmitiam uma calma que ela jamais havia visto.