De Violetas e Amores-Perfeitos

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    Capítulos:

    Capítulo 2

    II

    Spoiler

    DE VIOLETAS E AMORES-PERFEITOS

    Chiisana Hana

    Revisão: Nina Neviani

    Capítulo II

    Anos depois...

    Ryuhou já estava completamente habituado à vida na Palaestra. Como a mãe previu, fez amigos e a surpreendeu quando apareceu em casa acompanhado por um deles. Um garoto japonês que se chamava Haruto. Reservado, mas bem educado e cortês, sempre se oferecia para ajudar nas tarefas e olhava para Shiryu com admiração.

    Os dois contaram que a escola tinha sido invadida por marcianos, bem como sobre o desaparecimento de Saori e a falsa Athena que apareceu na Palaestra. Falaram também sobre os núcleos que precisavam destruir a fim de impedir que o cosmo da Terra fosse absorvido por completo. Shunrei escutou tudo com apreensão. Sabia bem o que aquilo tudo significava: uma nova guerra por vir. Deu graças a Deus por Shiryu estar dormindo, pois se estivesse acordado certamente captaria alguma coisa da conversa. Não que ele não sentisse o estado de espírito dos meninos, mas era melhor que não soubesse ao certo o que se passava. Quanto a ela, era filha, esposa e mãe de cavaleiro, tinha de estar acostumada a lidar com isso.

    Na manhã seguinte, Ryuhou acordou cedo e anunciou que iria à frente para abrir caminho para os outros. Enquanto ele faria isso, o garoto japonês desceria a montanha para receber os amigos que chegariam e guiá-los até a casa da família de Ryuhou.

    Apreensiva, Shunrei aguardou na cachoeira ao lado de Shiryu. Queria conversar com ele, dizer-lhe o quanto estava preocupada com o filho, mas sabia que precisava poupar o marido. Sentou-se num cantinho, enquanto ele meditava sobre a pedra. Estava tão acostumada àquela cena! Desde menina via o mestre sentado ali por horas e agora era o seu Shiryu quem o fazia. Quando estava em casa, Ryuhou passava muito tempo ali com o pai, mas dessa vez evitou conversar através do cosmo, uma vez que isso demandava um esforço que com o passar dos anos tornou-se sofrido para Shiryu. Quando mais usava seu cosmo, mais a ferida negra de Marte avançava. Na comunicação, esse avanço era muito lento, mas que ao longo dos anos já começava a fazer diferença.

    Mais tarde, Haruto chegou trazendo os colegas, duas meninas e um menino.

    Shunrei cumprimentou-os cordialmente e gostou de ver como olhavam com admiração para Shiryu. Depois, lhes disse para onde Ryuhou tinha ido e os garotos partiram para o lugar.

    A tarde avançava e os meninos não voltavam. Shunrei já estava pensando em levar Shiryu de volta para casa quando viu com assombro a faixa que protegia os olhos dele desintegrar-se. O cosmo dele tinha se elevado demais e a ferida negra espalhou-se pelo rosto. De imediato, soube que ele estava queimando o cosmo porque alguma coisa ruim estava acontecendo com Ryuhou. Continuou esperando, com o coração aflito, sem saber direito o que fazer, preocupada com o filho e com o marido.

    Não demorou para os meninos voltarem, Ryuhou sendo amparado por Haruto e Kouga. Eles explicaram a Shunrei o que tinha acontecido: o garoto tinha derrotado sozinho o cavaleiro de Perseu, e estava exausto e triste por não ter conseguido impedir que levassem a armadura que o pai guardava. Ao ouvir a menção ao cavaleiro de Perseu, Shunrei lembrou-se de que tinha sido contra o cavaleiro da mesma constelação que Shiryu perdeu a visão, bem como de toda a angústia que se seguiu a isso. Ela sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo, mas logo passou quando constatou que o que Ryuhou estava só cansado e com pequenas escoriações. Agradeceu rapidamente por receber a graça de não ter que ver o filho passar por tudo que Shiryu passou. Amparando Shiryu com a ajuda de Yuna, todos voltaram para casa, onde ela se pôs a cuidar dos dois.

    Fez com que Ryuhou e Shiryu tomassem um bom banho de imersão, com algumas ervas revigorantes. Enquanto isso, preparou unguentos para os ferimentos do garoto e embebeu uma nova faixa em óleo calmante. Passou o óleo sobre a ferida de Shiryu, que estava quente ao toque.

    ? Deixe que eu faço isso, mãe ? pediu Ryuhou. ? Já me sinto melhor. E quero cuidar dele.

    Shunrei assentiu e deu a faixa ao filho, indo para a cozinha em seguida a fim de preparar um jantar reforçado para todos. Aria e Yuna ofereceram-se para ajudar, o que ela prontamente aceitou.

    Sempre que estava em Rozan, Ryuhou gostava de cuidar de Shiryu para ajudar a mãe, mas também pelo puro prazer da companhia do pai. Depois de cuidar da ferida, Ryuhou penteou-lhe os cabelos, enxugou-o e vestiu-o com a roupa que a mãe tinha previamente separado. O garoto sentia-se desapontado por ter perdido a armadura do pai e triste ao ver que ele se esforçou demais, fazendo a mácula negra aumentar, mas ainda nutria esperanças de um dia curá-lo.

    Shiryu sempre se sentiu afortunado por ter Ryuhou como filho e nessas horas seu pensamento só se reforçava. Ele era sem dúvidas o melhor filho que ele e Shunrei podiam ter. Era muito mais do que imaginavam quando decidiram que era hora de ter um filho.

    Shunrei os chamou quando o jantar estava pronto.

    ? Obrigado, mãe! ? Ryuhou agradeceu, conduzindo o pai à cozinha e ajudando-o a sentar-se à mesa. ? Vocês vão ver que a minha mãe é a melhor cozinheira do mundo.

    ? Não exagere, Ryuhou ? envergonhou-se Shunrei, mas sentiu-se satisfeita ao ver que o menino parecia mais alegre.

    ? É sério! Ela consegue fazer coisas deliciosas sem farinha, porque eu não posso comer.

    ? Eu nunca entendi direito o que você tem... ? Kouga disse.

    ? Ele é celíaco(1) ? Shunrei explicou. ? Não digere glúten. Então desde que descobrimos a doença, eu me acostumei a fazer tudo sem farinha de trigo.

    ? E isso pega? - Kouga perguntou, fazendo os outros rirem.

    ? Não, Kouga, não pega ? Ryuhou disse, entre risadas. ? É uma doença genética. Também tenho asma, mas antes que pergunta, também não é contagiosa.

    ? Isso eu sei!

    ? A comida está realmente deliciosa, senhora ? Aria disse ao provar o primeiro bocado do frango que Shunrei cozinhara na wok, e os outros concordaram.

    ? Que bom que estão gostando! ? Shunrei sorriu satisfeita. Gostava de cozinhar e ficava feliz quando sua comida era elogiada.

    Antes de começar a comer, ela ajudou Shiryu a se alimentar, dando-lhe uma sopa espessa e nutritiva que fazia todos os dias. Sem paladar e tato, era um tanto difícil para ele comer coisas sólidas. No começo da "doença" ele ainda conseguia, mas agora, com o passar dos anos, os músculos começavam a se atrofiar e estava ficando cada vez mais difícil. Ele passou a se engasgar muito e, assim, Shunrei decidiu que o mais seguro era servir-lhe apenas alimentos pastosos ou líquidos, com os quais ele corria menos risco de se sufocar.

    ? Deve ser difícil para a senhora cuidar dele... ? observou Kouga, ao vê-la alimentando-o.

    ? Não tanto quanto parece ? Shunrei disse. ? Claro que eu gostaria que ele estivesse sadio, mas me sinto feliz e agradecida por tê-lo comigo. Com ele vivo ainda há esperança. A pior parte disso tudo são as pessoas, que são cruéis. Eu ouvi todo tipo de besteira nesses anos. Quando eu ia parar no hospital com Ryuhou, acabava levando Shiryu junto, porque tinha medo de deixá-lo sozinho. Todo tipo de coisa passava na minha cabeça. Ele podia cair e se machucar seriamente, podia haver um incêndio e ele não conseguiria pedir ajuda. Enfim, eu sempre o levava conosco. Numa dessas ocasiões, ele estava sentado esperando que Ryuhou fizesse a nebulização quando uma enfermeira se aproximou de mim e disse que eu deveria deixar Shiryu numa clínica de repouso, já que ele não me servia mais. Outra vez, uma pessoa do povoado disse que eu deveria deixá-lo cair do penhasco. Cheguei inclusive a ouvir que eu deveria me livrar do Ryuhou também porque para arranjar outro marido seria melhor que eu não tivesse um filho. As coisas são assim aqui na China, infelizmente.

    Os garotos ouviram pasmados. Aria, mais sensível, chorou.

    ? Até onde vai a crueldade, meu Deus! ? Yuna disse.

    ? É, mas ela não chega onde há amor ? disse Aria, enxugando as lágrimas. ? Aposto que ouvir coisas assim só fez com que a senhora o amasse ainda mais.

    Shunrei concordou.

    ? Hoje em dia é muito fácil dizer eu te amo da boca pra fora ? Shunrei disse ? , mas quando surge o menor dos problemas o "amor" desaparece.

    ? Aqui em casa não é isso que eu vejo ? Ryuhou disse. ? A despeito de sua condição, meu pai sempre está limpo, arrumado e perfumado. Sempre. Nunca o vi sujo ou com os cabelos desgrenhados, sem fazer a barba, sem cortar as unhas. Seria fácil minha mãe dizer "ah, agora estou cansada, posso cuidar dele depois, ele não sabe mesmo se está de unhas cortadas ou não", mas ela nunca fez isso. Isso pra mim é que é o amor.

    Shunrei sorriu emocionada e orgulhosa por ouvir isso do filho. Tão novinho e tão sábio. Só podia mesmo ser filho de Shiryu e neto de Dohko.

    ? É verdade que a senhora também consegue falar com ele através do cosmo? ? Yuna perguntou.

    ? Não sei se é exatamente cosmo, mas consigo sim. Também acabamos criando uma linguagem de sinais para ele me dizer o quer ou sente.

    ? Meu tio Shun contou que a mãe conseguiu desestabilizar um cavaleiro de ouro! ? anunciou Ryuhou, orgulhoso.

    ? Uauuuuuu! ? espantaram-se os meninos. Shunrei logo procurou esquivar-se das perguntas que certamente viriam a seguir:

    ? É, mas não me perguntem como eu fiz isso porque eu não sei!

    ? O amor ? Aria disse, pensativa. ? Outra vez o amor. Ele é capaz de muitos milagres, senhora.

    ? Eu bem sei que sim, Aria ? concordou Shunrei. Também era sábia a doce mocinha que os acompanhava. Ryuhou disse que ela não era uma amazona. Era uma garota doce e especial, com um cosmo imenso, que tinha sido criada por Marte para que ele pudesse usar seus poderes, e era vista como "a falsa Athena". Mas todos a adoravam e queriam protegê-la. Shunrei também quis. Sentiu que a garota tinha levado uma vida triste e quis abraçá-la, dar-lhe um pouco de carinho de mãe. Queria abraçar e cuidar de todos eles, na verdade. Adoraria que eles ficassem mais tempo em Rozan para que ela pudesse cuidar de todos, ouvir as histórias deles. Queria ter sido mãe de muitos filhos, mas a lei chinesa só lhe permitia ter um. Combinou com Shiryu de adotar algum órfão quando Ryuhou crescesse um pouco, mas o incidente com Marte aconteceu quando ele tinha pouco mais de dez meses e ela nunca mais pôde pensar nisso. Por mais algumas horas teria esses filhos postiços. Sabia que iriam partir no dia seguinte, mas desde já começou a desejar que voltassem a Rozan com mais calma.

    Continua...


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