|
Tempo estimado de leitura: 23 minutos
12 |
Valsa dos Masoquistas
?Intervalo 1 ? Tea Time Overclock?
Era um dia comum. A algazarra intrínseca de um colégio comum ocupava o vazio de seus corredores comuns. Comubs também os esforços heróicos, mas em vão, dos professores ao tentar domar os jovens no ápice de seus hormônios. ?Comum? era a ordem do dia.
Tudo estava comum naquele dia; os estudantes, os professores, a quadra de futebol com suas perenes poças de água ( a direção da escola sempre ?adiava? os reparos no assoalho). Absolutamente tudo estava fadado ao mundano e ao esquecimento ( memória seletiva and shit...).
Mas o que é ?comum?? Consultando um dicionário de grande circulação, é possível encontrar a seguinte definição:
?Que não possui nenhuma elevação ou valor; reles, ordinário, insignificante? ( Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua portuguesa ).
Pois então, diante dessa palavra e de seu significado, pergunto me se existe razão para a existência dessa palavra...
Afinal, digamos que um evento ?diferente? aconteça. A princípio, ficariam todos chocados, assustados ou, no mínimo, surpresos. Mas, e se o mesmo ?evento? acontecesse reiteradamente, diariamente ou semanalmente...Não perderia ele essa característica? Deixaria de ser algo que provoque espanto ou curiosidade. Tudo está fadado a se tornar comum.
Assim, não existem eventos comuns ou incomuns, por eles mesmos. Os eventos não são ?normais? ou ?raros?, eles acontecem, por nossa vontade ou não, podendo ser controlados ou não. É apenas uma mera questão de percepção humana dos acasos que nos surgem diariamente.
Enfim, tendo isso em mente, alguns meses se passaram desde o início das aulas e os boatos (e intrigas) sobre ?Kamitwo?, já haviam sido devidamente pulverizados entre os demais estudantes . Era fácil encontrar Kamitwo durante o intervalo; debaixo de uma escada ou ao lado da porta grande de carvalho que guardava a entrada da capela que existia no enorme terreno que abrigava o colégio...Seja qual for o local em que estivessem, sempre estavam juntos numa posição que demonstrasse intimidade.
Mas os seres humanos se acostumam; e, como dito anteriormente, aqueles dois jovens já faziam parte do ?folclore?, estudantil, digno de fatos postados ( sem permissão) a rede social própria daquele local ( que supostamente deveria funcionar como uma ferramente de apoio, mas ora atuava tão somente como um nexus de informações ?privilegiadas?, i.e, fofocas).
E tudo isso acima que foi dito até esse momento era o assunto principal da conversa entre dois jovens: Justiniano Pizo e Amanda Gutenberg.
?Não acha que está um pouco obcecado com isso? - disse a jovem enquanto lia um artigo de moda de uma revista de adolescentes barata.
O jovem a fitou e gesticulou escandalosamente com as mãos:
?Não podemos deixar passar essa oportunidade! Temos em mãos uma verdadeira mina...Impossível deixar passar!?
?Você sabe que dificilmente ?eles? abririam o jogo com a gente. Além disso, todas as publicações daqui já querem um pedaço da torta?.
Justiniano virou-se para a sua direção e, subitamente, se aproximou da jovem, colocando uma de suas mãos sobre o periódico que estava lendo, e apoiando a outra mão sobre o ombro esquerdo dela. Ele aproximou o rosto perigosamente e falou lentamente, como se estivesse zombando de sua ingenuidade:
?Ainda precisa aprender a saborear os riscos e perigos minha cara? - disse enquanto deslizou com os seus dedos os longos fios loiros que a adornavam - ?É como dizem! Sem emoção a vida não tem graça!?
Amanda sentiu o seu rosto corar um pouco. Sua pele era muito clara e qualquer rubor não era possível esconder. Não podia negar: sentia-se atraída por aquele rapaz. Não era uma simples questão de beleza, era o seu jeito impulsivo e atirado aos riscos que a constrangia.
?Eu sei disso? - disse ela em um tom titubeante, enquanto afastava com uma de suas delicadas mãos o rosto do jovem - ? Mas se alguma equipe já submeteu algum artigo com esse tema, a direção certamente iria recusar qualquer papel nosso?.
Justiniano colocou suas mãos para trás, estufou o peito, e virou-se para a direção oposta da jovem. Ficou olhando para cima por alguns segundos, até que decidiu quebrar o silêncio daquele pequeno recinto em que estavam.
?Mas quem disse que vamos escrever sobre eles??
Uma expressão de confusão tomou conta do rosto da jovem. Ela se levantou da cadeira em que estava desajeitadamente repousada e foi próximo a ele:
?Como assim??
?Você sabe que eles são conhecidos como um casal perfeito...Que tal escrevermos sobre dicas e sugestões deles mesmos??
A jovem, já próxima a ele e à grande janela que iluminava naturalmente a sala, abertura essa que permitia o crepúsculo daquele final de tarde fazer companhia aos móveis de carvalho vermelho, preenchendo aquela pequena sala de reunião, puxou sua a manga da camiseta branca que o Justiniano usava naquele dia. Traduzindo o gesto, ela queria que ele elaborasse um pouco mais o que tinha em mente.
?Muito simples minha querida!?
Justiniano em um movimento rápido e fugaz segurou os braços de Amanda e ergueu os no ar, encurralando o seu corpo em uma das paredes próximos a janela. Novamente fez o seu rosto próximo ao dela. Amanda sentia um acelerar em seu peito; queria fechar os seus olhos, mas o seu orgulho não a permitia. Para alguém que passava dias sentado e trancado naquela pequena sala, ele era alguém muito ágil.
?O que temos em mãos é o segredo de um relacionamento!? - disse enquanto aproximava cada vez mais o seu rosto - ?Chega do manto falso da originalidade sobre os nossos artigos...Chega de publicações sobre sexo...Eu quero chegar ao fundo disso?.
Amanda não sabia se ele fazia isso de propósito, se as provocações dele eram propositais; se ele sabia sabia que os seus atos a deixavam excitada. Sentia naquele instante o seu corpo tenso . Sentia calor. Sentia a força de suas pernas se esgotando. Conseguia ouvir o ruído ensurdecedor dos seus batimentos cardíacos.
?Amor puro!? - Gritou Justiniano enquanto soltou de supetão os braços de Amanda. Não estava esperando essa atitude, o que a fez bater com tudo seus joelhos ao chão. Não sabia o que sentir, uma mistura de raiva, alívio e decepção - ? É isso o que falta nos artigos! Existem centenas que falam como ?pegar alguém?, como seduzir alguém! Mas nada sobre o que é o amor puro, de forma fácil a ser entendida!?.
O jovem continuava a ?falar? ( i.e, gritar dramaticamente) enquanto gesticulava ( dramaticamente); sempre que falava imaginava um longo e enorme palco , e a reação eufórica da platéia ao terminar seus longos solilóquios.
?Nossa! Cinco horas! Tenho compromisso agora...Já volto ♥?
*BLAM
A porta fechou-se com violência, e o silêncio morno de uma tarde comum, de um dia comum ocupou aquele pequeno quarto igualmente comum, o qual era adornado somente por uma grande janela também comum.
A jovem ainda permanecia no chão, mas agora abraçando as suas próprios pernas e com as costas apoiadas na parede próxima a janela. Ficou calada por alguns segundos, até que se levantou e olhou para a porta que havia acabado de se fechar.
?Bastardo...?